A série documental “The Playbook” (2020) – em português “As regras do jogo: estratégias para vencer” –, distribuída pela Netflix, visa estudar os mindsets por detrás do sucesso de grandes treinadores no desporto e na vida. O foco estará num episódio em particular, nomeadamente o terceiro de cinco episódios, onde a mente em estudo é a de José Mourinho.
Mourinho começa por admitir que vê o futebol não como um desporto, mas como uma espécie de religião. Para ele, é fundamental compreender o futebol como um espaço humano, mais do que estratégia ou que o seu lado tático. Por isso, a primeira regra que apresenta é “Compreender o público“. Para o treinador português, é e foi sempre essencial construir equipas tendo por base o perfil psicológico dos jogadores, mais do que o seu talento visível.
Desta forma, acima de qualquer conjunto de jogadores, consegue construir um coletivo; uma equipa; uma família. Para Mourinho, “Quando não és a melhor equipa e não tens os melhores jogadores, a tua melhor estratégia (só) pode ser a ambição para ganhar“.
Já a segunda regra apresentada por Mourinho apresenta um imperativo mais chamativo; mais terra-a-terra (um pouco ao estilo de Fernando Pessoa): “Prepara-te para o pior e estarás preparado“. Nesta fase, Mourinho explora mais o nosso psicológico e a forma como trabalha o lado mental das suas equipas. Foca-se no que o seu coletivo pode ser capaz de fazer, mantendo uma confiança o mais inabalável possível e o mais independente possível das circunstâncias do jogo. Assim, mesmo em momentos de dificuldade, a presença-chave de certos elementos, o espírito de equipa, a entreajuda, a humildade, tudo isso é o que o aproxima da vitória; do sucesso.

Por outro lado, a regra número três de Mourinho é um pouco mais enigmática e mental; consiste na expressão “The underdog attack“. Aqui, José Mourinho foca-se na importância que a vitória tem no jogo enquanto princípio-base competitivo. Mourinho ama o futebol precisamente porque há vencedores, no sentido plural. É essa a sua paixão: ser capaz de competir em conjunto e nunca abandonar o barco. Para ele, há sempre uma ligação especial que se consegue estabelecer, que é muitas vezes decisiva nos momentos mais difíceis.
Curiosamente, a regra número quatro é um convite a não seguir as restantes, uma vez que se formula: “Algumas regras devem ser quebradas“. Desta feita, Mourinho tenta justificar certos comportamentos politicamente incorretos em prol da sua equipa, enaltecendo a sua devoção pelo coletivo: “Faz-se tudo pela família; até quebrar as regras“. Para Mourinho, acima da vitória, e do próprio futebol, está a família que se cria.
Como regra número cinco surge: “O comboio não pára duas vezes“. Aqui, José Mourinho centra-se numa vertente um pouco extra-futebol, direcionando-nos para algo até mais direto com a nossa vida pessoal; uma vida onde temos incessantemente que tomar escolhas e optar por certos caminhos. Ele defende que esta é a natureza do futebol; uma índole cruel na qual os treinadores vão e vêm e onde é impossível agradar a todos.
Por isso, Mourinho afirma: “Sou muito emotivo, mas tento interiorizar a emoção para as grandes decisões“. E com isto o treinador português fecha o capítulo fazendo uma alusão aos grandes jogadores, e como é difícil treinar pessoas que estão praticamente no auge do seu potencial. No entanto, para ele, “Se não consegues treinar os grandes jogadores, não consegues treinar ninguém“.

Por fim, e fazendo agora um ligeiro paralelismo com a regra anterior, temos a sexta e última orientação de Mourinho: “Não treines o jogador, treina a equipa“. Desta forma, José Mourinho enaltece, uma vez mais, o valor quase inteligível que o coletivo, a equipa e a família desportivas têm quando queremos chegar ao sucesso, sendo que “às vezes, temos de mover as peças de xadrez para tentar criar a melhor solução para a equipa“.
No fundo, para ele, os jogadores – os grandes jogadores – são indubitavelmente talentos especiais, mas sem a equipa não conseguem expressar, efetivamente, tudo o que têm. Daí a importância do conceito de grupo numa equipa de futebol – e na vida, claro está.
Há que deixar, objetivamente, palavras sérias de apreço para esta produção audaz e amplamente edificante, dirigida, e bem, por John Henion, permitindo, através da sua harmonia profunda com o diretor de fotografia John W. Rutland – que consegue um trabalho belicíssimo e atrativo – e também com a música original de Jeremy Zuckerman, construir uma meia hora inesquecível, em todos os sentidos, mas que vale sobretudo pelo seu lado humano, intelectual e profundamente filosófico.
“Na minha carreira, aprendi que o futebol é um pouco de tudo. É uma arte. Mas também é alma (…) Para mim, o conceito de equipa é uma das coisas mais bonitas. Mas, em todas as minhas experiências no futebol, há o lado humano: equipa, irmão, família. E, para mim, estas são as coisas que ficam para sempre”
José Mourinho
Pela magia da (sétima) arte.
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