“Dolor y Gloria”, em português “Dor e Glória“, conta a história de Salvador Mallo (António Banderas), um cineasta em decadência, afetado por uma mágoa interior incapacitante que auto-mutila o seu processo criativo. Com argumento e realização de Pedro Almodóvar, vemos um trabalho sério, algo biográfico e de cariz mais pessoal do cineasta.
O motivo narrativo é espoletado pelo reencontro entre Salvador e Alberto Crespo (Asier Etxeandia), ator protagonista do seu grande clássico (com 30 anos), “Sabor”. Reencontram-se para prestar homenagem ao seu filme, e acabam por recordar o passado e perceber que o amor pelo cinema que os liga é indescritível. Tal como o próprio Salvador enalteceu, “escrever é como desenhar, mas com letras“.
Salvador vive uma altura complicada na sua vida, sem grande vontade de publicar os seus escritos. No entanto, Alberto sugere interpretar a sua obra “O Vício”, um argumento seu recente. Salvador concordou, a custo, mas pediu o seu anonimato, por ser uma história demasiado pessoal e intimista: trata a história de amor entre ele e Federico Delgado (Leonardo Sbaraglia).
Este romance é um dos alicerces emocionais da película e consegue espoletar sensações dignas da pureza mais intrínseca à sétima arte. A separação entre eles resultou, fundamentalmente, do estilo boémio de Federico; Federico que foi assistir à estreia da obra e decidiu procurá-lo. E aí há toda uma lembrança de um passado em conjunto, de uma união única e diferente, entre dois seres que outrora se completavam. Essa recordação (esse reencontro) deu a Salvador a força necessária para dar um novo rumo à sua vida, à sua maior paixão: o cinema.

António Banderas é conhecido do grande público por papéis como em “Evita” (1996), “A Máscara de Zorro” (1998) e, mais recentemente, na série da National Geographic, “Genius” (2017-). Foi vencedor de Melhor Ator no Festival de Cannes do respetivo ano, e dá corpo e alma, no fundo, ao próprio realizador, numa história que, mais do que pessoal, é possivelmente o seu magnum opus. Pedro Almodóvar é conhecido pelas suas obras maiores “Tudo Sobre a Minha Mãe” (1999) e “Fala com Ela” (2002) – com a qual arrecadou o Óscar de Melhor Argumento Original.
Retomando o panorama emocional inicial de Salvador, há uma pergunta que lhe é feita, precisamente na fase em que ele se encontra longe de qualquer motivação e inspiração para continuar a sua carreira de realizador, que é seguinte: “o que vais fazer da tua existência sem escrever?“. E Salvador, melancólico, diz: “Viver, suponho“. Aí temos a essência da obra.
Em “Dolor y Gloria” (2019) temos, no fundo, um retrato célebre do que é uma mente estonteante e também de como, por vezes, um passado pode ditar e quase ‘tomar conta’ de nós, do nosso presente, ao ponto de perdermos a vontade de imortalizar aquilo que amamos e de criar.

Desta forma, a verdade é que, tal como se enaltece na obra, “O amor talvez mova montanhas… mas não basta para salvar a pessoa que se ama“. É preciso muito mais para que as coisas realmente resultem. Assim, a partir desta obra, conseguimos perceber que a interpretação de António Banderas é um dos maiores regalos do ano transato, aliada a esta figura incontornável do cinema, Pedro Almodóvar, que é um autêntico mestre da escrita, capaz de imortalizar todos os sentimentos através de uma linguagem sensorial e um tato intelectual inolvidável.
“Dolor y Gloria” é, portanto, a imortalização de um amor sincero e genuíno pela sétima arte, além de uma experiência contemplativa bastante acima da média, capaz de nos levar para outro patamar, para uma catarse da alma só ao estilo de grandes obras.
“O melhor ator não é aquele que chora, é sim o que luta para conter as lágrimas”
Salvador Mallo