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A justiça e a legalidade são conceitos que devem andar de mãos dadas, mas em certos casos repelem-se por completo. Desde a antiguidade clássica, seja em nome de deuses ou humanos, o conceito de justiça está bem estabelecido – a recompensa na exata medida daquilo que é feito. Por outro lado, a lei, elaborada por humanos imperfeitos, é um mediador daquilo que parece justo. Podendo, portanto, não corresponder aos mais altos padrões daquilo que é considerado justo, pois basta ser legal para esta ser aplicada. Em consequência, o que pode um homem fazer quando os conceitos não se cruzam?

Estes são alguns dos temas que estão no cerne do drama jurídico alemão “Der Fall Collini“, adaptado do romance de Ferdinand von Schirach. O ano é 2001 e Frabizio Collini (Franco Nero), um trabalhador italiano aposentado, que vive na Alemanha há 35 anos, matou um empresário idoso conhecido por todo o país. A sua defesa em tribunal é atribuída ao advogado recém-formado Caspar Leinen (Elyas M’Barek), prestes a ter o seu primeiro grande julgamento. No entanto, Casper aceita o caso sem saber quem é a vítima, que mais tarde descobre ter sido a sua espécie de figura paterna na ausência do seu pai biológico.

Franco Nero (Frabizio Collini)

A narrativa complica-se à medida que o protagonista se vê confrontado com questões que não estudara na academia de Direito. A sua relação com Johanna Meyer (Alexandra Maria Lara), a filha do assassinado e ex-amante, é posta em causa, os seus valores pessoais são questionados e a confiança cega que deposita no sistema jurídico começa lentamente a ser desconstruída. Não é nada de novo. O relato do jovem íntegro que tem um despertar penoso de como a vida funciona. Todavia, este padrão narrativo no filme serve apenas para catapultar a personagem para um território mais dramático e impactante, apinhado de traumas históricos e pessoais.

É uma jornada que começa num ritmo pausado e ao longo das duas horas vai-se tornando mais intensa e comovente. O que parece, à partida, um caso de resolução fácil revela-se, graças à força de espírito de Caspar, um lembrete de que o sistema judicial pode vergar-se perante pressões económicas ou sociais. Refletindo leis que promovem falsos ideais de justiça perante a incapacidade de ação cívica. O resultado? Medidas desesperadas.

A bem dizer, a realização do alemão Marco Kreuzpaintner e a sua destreza com os atores é mais um trunfo do filme. A interpretação de Elyas M’Barek no papel principal acompanha o arco da personagem. Primeiro cortês e brando, depois aguerrido e convicto de que pode marcar a diferença e conceder paz ao arguido. Tem um papel fundamental na entrega da grande mensagem da história e nota-se uma supervisão atenta por detrás das câmaras.

Elyas M’Barek (Caspar Leinen)

As personagens são aprofundadas o quanto basta para servir o esquema geral da história, embora pudessem constar mais flashbacks para entendermos melhor a relação entre Leinen e a vítima do crime. Ainda nos pontos negativos, o facto do argumento ter três assinaturas distintas é sintoma da pluralidade de ideias que nem sempre são exploradas com a profundidade devida, acusando assim um par de relações que acabam por ser negligenciadas.

Não podia terminar sem saudar a banda sonora do compositor Ben Lukas Boysen, cujas variâncias de amplitude musical carregam o filme de emoções nos momentos mais trágicos e relaxam nos instantes mais serenos. No final, “Der Fall Collini” deixa-nos com o coração em lágrimas. Recorda o impacto que o sistema judicial tem nas nossas vidas e que as angústias devem ser respondidas com leis que têm como base fundamental a justiça.

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

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