“Easy Rider” é um filme respeitado talvez mais pelo seu significado e contributo para o cinema do que pelos seus méritos como obra da sétima arte isolada do seu contexto. Ainda que seja relevante ter em consideração o contexto quando se fala deste, com “Easy Rider” esta importância acaba por ser ainda maior.
Por ser um filme que se situa numa época muito peculiar da história dos Estados Unidos (no final da década de 60), apanha um período de transição em Hollywood. Antes do final da década, existia uma Hollywood em que o estúdio tinha a maior (senão total) influência sobre o resultado final do filme, uma Hollywood que investia cada vez mais em longas-metragens épicas e musicais para travar a crescente popularidade da televisão e investir em cinema que era mesmo necessário ver na sala (desengane-se quem pensa que a luta “cinema versus televisão” é recente).
Para além disso, a geração resultante do baby boom Pós-Segunda Guerra Mundial atingia a sua fase de juventude e Hollywood foi incapaz de colmatar essa alteração demográfica, e de conseguir captar o interesse do público mais jovem. Por isto, entre outras razões, a abordagem hollywoodesca dos anos 60 falhou redondamente e, mais para o final da década, começou a dar-se a decadência do período a que agora se associa o nome de “Hollywood Clássica”.

Foi com filmes como “Easy Rider” que a resposta surgiu. Nesse período de transição começaram a surgir realizadores mais jovens, de câmara na mão a filmar a sua realidade (um pouco ao jeito do neorrealismo italiano), resultando por vezes em narrativas mais inconvencionais e onde era o realizador que tinha a mão naquilo que seria o resultado final do filme. Esta geração, apelidada por muitos de “Nova Hollywood”, acabou por ser iniciada por filmes como “Bonnie e Clyde” (1967), mudando assim o paradigma norte-americano de como fazer cinema.
“Easy Rider” também é um dos filmes associados a este movimento por ter sido um dos primeiros que conseguiu demonstrar que estes filmes mais fora do convencional poderiam ser sucessos de bilheteira e ao mesmo tempo agradar à critica. A dupla Peter Fonda e Dennis Hopper são os responsáveis por muitos dos aspetos da produção, realização, guião e até por serem os protagonistas do filme que arrecadou cerca de 60 milhões de dólares usando um orçamento inferior a meio milhão.
Os parágrafos anteriores servem com argumento de que “Easy Rider” é, acima de tudo, um marco do cinema pelo movimento que ajudou a iniciar. Quanto ao filme propriamente dito, é curiosa a temática escolhida pela dupla Fonda/Hopper. Os protagonistas Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) são dois amigos motoqueiros que, após terem obtido uma grande quantidade de dinheiro, fruto de um negócio relativo a drogas, partem numa trip pelo sudoeste dos Estados Unidos.
O seu principal objetivo é chegar à cidade de New Orleans a tempo do festival Mardi Gras. Nas suas várias paragens, a dupla acaba por ser o fio condutor (quase no sentido literal) de um retrato da contracultura e do movimento hippie nos Estados Unidos, como se fossem a câmara que vai fazendo o retrato dessa realidade bem demarcada no tempo e no espaço.

O que se torna interessante no filme é que este movimento contra cultural que Wyatt e Billy vivem tem muito de similar com a já referida transição “Velha Hollywood” para “Nova Hollywood”. Por um lado, temos Wyatt e Billy e a comunidade que eles cedo encontram no filme, que poderiam ser representantes desta “Nova Hollywood”, uma nova forma de pensar o cinema.
Por outro lado, existem os resistentes à mudança: a família com quem a dupla almoça no início da narrativa ou o grupo de pessoas com quem se cruzam num restaurante mais para o final da obra. É por isso que, a um nível superficial, é um filme sobre dois amigos numa viagem, mas, de uma forma mais profunda, é sobre um choque de perspetivas, sobre uma forma de olhar para a liberdade e de quem pensa que a tem até começar a pensar sobre o assunto.
“Easy Rider” fica para a eternidade como um vestígio desse período da história americana e é esse o seu principal forte. A nível narrativo pode ser uma experiência difícil, por ser algo diferente do habitual, mas é um filme que deve ser visto, nem que seja por ser uma das obras mais cool jamais apresentadas no grande ecrã.
Clássico que marcou a geração Born to Be Wild