Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007, “A Vida dos Outros” (em alemão “Das Leben der Anderen”), dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck, com Ulrich Mühe, Sebastian Koch e Martina Gedeck, é um drama de duas horas e 17 minutos que narra um período triste da Alemanha, quando esta ainda estava dividida e o lado Oriental, com a temida polícia estatal Stasi, vigiava a população da mesma forma que “O Grande Irmão”, apresentado por George Orwell no livro “1984“.
O dramaturgo, poeta e escritor Georg Dreyman é um dos maiores intelectuais do país, namora a bela atriz Christa-Maria Sieland (interpretada por Martina Gedeck) e passa a ser monitorado pelas autoridades que colocam escutas no seu apartamento, num rodízio de dois funcionários medíocres que passam o tempo escutando tudo o que se passa ali. Christa cai nas graças do ministro Bruno Hempf (interpretado por Thomas Thieme), que a chantageia em troca de favores sexuais. Está posto o drama.

O ano é 1984, e não sei se é coincidência esse recorte no tempo com o famoso livro de Orwell. O certo é que o Estado totalitário, naquilo que era a sua pretensão, se fechar para o Ocidente e encerrar os seus habitantes numa prisão ideológica, se perde na burocracia, ineficiência e consequentemente, na pobreza. O lado Ocidental parece ser almejado como o grande Céu na Terra.
O filme é soberbo na sua coloração cinza. Dos prédios aos uniformes das autoridades, tudo parece caracterizado por uma atmosfera triste. Os automóveis padronizados, a ideologia obtusa de quem está no poder na tentativa de se proteger do grande inimigo, o Ocidente. As vidas medíocres dos funcionários estatais, produzindo vasta papelada em infindáveis relatórios parece justificar por si só a existência do Estado. Mas ventos sopram do outro lado do Muro e a revista alemã ocidental Der Spiegel publica um artigo acerca do alto índice de suicídios no lado Oriental, escrito por Dreyman. Um dos seus vigias, afrouxa a vigilância ao humanizar um pouco a questão.
O filme aborda a ascensão de Mikhail Gorbatchov ao poder na União Soviética, a consequente queda do Muro de Berlim e um retrato pós-reunificação onde o dramaturgo, tão acostumado às palavras, se vê diante de pastas e pastas de arquivos onde até os seus atos íntimos com sua namorada foram expostos. É preciso um olhar de altruísmo, alteridade e leveza de espírito, por mais dolorosa que tenha sido a sua vida, para se perdoar e perdoar a outros, notadamente ao “homem bom”, o agente da Stasi a quem dedica o seu romance, identificado por um código de letras e números.

Um filme doloroso sobre um período na Alemanha que merece ser lembrado sempre, fruto do fim da Segunda Grande Guerra, com o fim do nazismo, e hoje a reunificação alemã serve como símbolo de identidades múltiplas que atestam que a humanidade deve suplantar barreiras fronteiriças e que ideologias sempre levam à fragmentação daquilo que deveria ser considerado por um Estado na hora de alinhavar políticas públicas no tocante ao bem-estar de todos. Um filme atual e que nos serve de alerta para tentativas de aventuras autoritárias, com o ressurgimento de grupos políticos de extrema-direita que sonham com a volta do maniqueísmo nós contra eles.
Atualmente a Alemanha oferece um tour por lugares orientais e tudo bem abrigado em museus. Páginas da história que esperamos não se voltem a repetir.