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Porque A Arte Somos Nós

“Suits” (2011-2019) é uma série profundamente elegante, de um nível de intelectualidade exímio, capaz de mostrar o que há de pior – o lado mais negro, portanto –, mas também de enaltecer o “romantismo” por detrás de uma carreira em advocacia, sobretudo num palco como é os EUA, fazendo sobressair uma realidade muito perto de uma distopia, mas também, para outras interpretações, apenas mais um palco para brilhar, fazer furor, mostrar a sua força – e, porventura, a volatilidade ética (para chegar mais longe).

A série foi criada e escrita por Aaron Korsh, tendo estreado a 23 de junho de 2011, no canal USA Network, e inclusivamente indicada duas vezes para o People’s Choice Awards, como Melhor Série Dramática em Canal Fechado. A série chegou ao fim no dia 25 de setembro de 2019, totalizando 134 episódios.

De facto, com sede dramática em New York, a problemática mais apreciável da narrativa começa com Harvey Specter (interpretação de Gabriel Macht), um advogado muito poderoso, apelidado como um dos melhores no ramo, senão o melhor, uma vez que é muito capaz de se adaptar às situações, muitas vezes um pouco desligado emocionalmente, o que revela, assim, a sua visão pragmática perante a vida, fruto de um passado familiar complicado. Harvey pertence à empresa Pearson Hardman, na qual tem uma posição segura, almejando um dia – cada vez mais uma realidade – tornar-se sócio de nome e, aí, transportar-se ainda mais no mundo da advocacia.

Gabriel Macht e Patrick J. Adams / IMDB

Posteriormente, é-lhe incumbida a missão de recrutar um estudante de Harvard (um possível novo associado) para fazer um estágio na empresa, algo já frequente todos os anos, e portanto organiza as entrevistas de forma muito séria. Entretanto, Mike (interpretado por Patrick J. Adams), um rapaz com uma mente analítica soberba, com uma memória visual quase sobre-humana, aparece em pleno escritório (um hotel onde estavam a ser feitas as entrevistas), numa fuga da polícia por transportar droga na sua mala.

Harvey deixa-o entrar e apercebe-se que, mesmo sem ter tirado nunca uma licenciatura em Direito, nem tão-pouco qualquer licenciatura em Harvard, conhece a Lei de uma forma muito particular, tratando-a quase instantaneamente por tu, fruto de, por vezes, ganhar dinheiro a fazer os testes por outras pessoas. Harvey arrisca-se, pois contrata-o sem ele ter licença para exercer funções, viola a regra de ouro que a empresa mantinha, no sentido de apenas recrutar estudantes de Harvard, e Mike tem, sim, a oportunidade para dar um novo rumo à sua vida, vida essa que, até então, estava bastante em suspenso ao nível da estabilidade emocional, pessoal e financeira.

Neste sentido, Harvey ficou fascinado pela genialidade de Mike, e a partir daí o crescimento dramático de requinte da narrativa dá azo a uma história deveras interessante. Interessante, sobretudo, na maneira como consegue, com uma profundidade extraordinária, desconstruir a realidade de uma Nova Iorque cheia de competitividade, sem escrúpulos, capaz de mostrar, de forma fria e clara, a maneira como o ser humano se comporta num mundo repleto de intriga e manipulação, no qual, a maior parte das vezes, quem vence é o menos digno (ética e moralmente).

Rick Hoffman / IMDB
Sarah Rafferty / IMDB

Ou seja, o argumento não dá, de todo, palmadinhas nas costas. Pelo contrário, consegue, de forma intelectual, elevar com simplicidade e clareza emocional a série a um patamar muito célebre, numa metáfora perfeita da sociedade de hoje, e também consegue atrair o espectador com os chamados twists sérios e realistas.

Toda a série é um misto de emoções, porque, além da versão nua e crua como mostram tudo o que está por detrás da complexidade das relações humanas, mas também a força e intensidade que os julgamentos, extremamente bem retratados, muitas vezes exige, enfatizando particularmente aquele que é, indubitavelmente, um dos flagelos maiores dos dias de hoje: a escolha de ir mais além e que, para tal, tenhamos de passar por cima das outras pessoas, das suas individualidades, sem nunca encarar a vida e o mundo como um colectivo onde estamos todos no mesmo barco.

Isto é, pressupõe que, para não nos deixarmos “abater”, tenhamos que ter uma adaptabilidade de valores constante e muito ampla, no sentido de contrariarmos o objectivo insaciável de contrariar a voragem interior (e do próprio mundo, diga-se) e, desta forma, alcançar o infinito.

Tiago Ferreira

Rating: 3 out of 4.

IMDB

Rotten Tomatoes

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