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Pier Paolo Pasolini foi um poeta, escritor, novelista e cineasta italiano, nascido na cidade de Bolonha no ano de 1922, tendo levado uma vida cheia de provocações à norma, mais precisamente no campo da sua orientação sexual e das suas convicções políticas. Contudo, Pasolini foi notável pelas suas obras cinematográficas, onde se destacam películas como “Decameron” (1971), “Rei Édipo” (1967), ou “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma“.

Quanto ao filme em análise, “Pasolini”, realizado por Abel Ferrara e escrito por Maurizio Braucci, este tem como premissa a recriação do último dia de vida do artista italiano, mais precisamente a 02 de novembro de 1975. A questão da morte de Pier Paolo sempre deu que falar, não só pela brutalidade inerente, como também pelos motivos por detrás de tal atitude por parte do que seriam jovens, pois só um rapaz de 17 anos foi apanhado e condenado pelo homicídio do cineasta.

A película de Ferrara arranca com cenas do filme “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma”, um dos filmes mais obscenos e polémicos de sempre na história da sétima arte. Este é uma adaptação da obra literária de Marquês de Sade (1740-1814), “120 Dias de Sodoma“, que retrata ao século XVIII. Desta feita, Pasolini resolveu substituir os quatro personagens principais do livro, ricos e libertinos, por um duque, um magistrado, um bispo e um político. Estas personagens têm um simbolismo político e religioso, pois não podemos deixar de parte que as duas principais facções em Itália à altura eram os comunistas e os cristãos democráticos.

Willem Dafoe como Pier Paolo Pasolini

O papel do cineasta italiano é protagonizado por Willem Dafoe, conhecido por obras como “A Última Tentação de Cristo” (1988), ou mais recentemente “O Farol” (2019), e tem uma performance bastante sóbria e segura. Na história, Pasolini regressa a Roma de Estocolmo, onde apresentou o seu livro “Gramsci’s Ashes”, com a polémica instalada em torno da sua última obra cinematográfica, “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma”, que viria a ser censurada em dezenas de países. Também já a diluir as ideias para a sua próxima obra, o italiano tem um dia preenchido pela frente, que passa por escrever, discutir e partilhar as suas novas criações.

O cineasta vive na companhia da sua mãe, em Roma, desde 1950. No entanto, estas informações não vão sendo propriamente discriminadas ao longo da narrativa, o que faz algum sentido, mas simultaneamente torna todo o contexto do indivíduo em algo um pouco despido. Julgo ser sempre importante contextualizar minimamente pequenos fragmentos do passado, de modo a que assim se possa entender melhor o presente. No caso de “Pasolini”, essa contextualização parece-me insuficiente.

Um dos destaques da narrativa prende-se com a entrevista feita ao realizador italiano, onde Pier Paolo exprime de forma bastante transparente as suas convicções quanto à educação, comunicação, entretenimento, sociedade e a todo um sistema capitalista e consumista italiano. Conseguimos aqui desmistificar as principais razões que levaram à criação de “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma”, ao mesmo tempo que entendemos o porquê de uma linguagem tão “própria” por parte de Pasolini. Este é um homem que discursa através de uma folha de papel, de uma máquina de escrever, ou de uma câmara, e que se sente notoriamente incomodado na forma como se exprime verbalmente numa entrevista presencial, revelando o seu repugno pela comunicação social.

Durante a entrevista, em sua casa

De seguida, vemos Pier Paolo nas ruas de Roma a conduzir o seu carro desportivo, um Alfa Romeo 2000 GT Veloce, passando por locais frequentados por jovens bem parecidos, e lançando-lhes um olhar de quem se interessa pelo que vê. Aqui é alimentada a sua preferência por menores de 18 anos, um tema algo sensível e baseado em acusações apresentadas no final da década de 1940, que lhe valeram a expulsão da secção de Udine do Partido Comunista, assim como a perda do trabalho como professor, em Valvasone. Quanto à sua homossexualidade, esta sempre foi assumida.

Depois de chegar a um restaurante já fechado, mas no qual Pasolini “era da casa”, este conta a história de um dos seus trabalhos que nunca chegou a ser publicado “Porno-Théo-Kolossal“, que tinha como grande premissa o nascimento do Messias e a busca pelo paraíso. O papel principal, Epifanio, é atribuído a Ninetto Davoli, o ator principal do filme de Pasolini, “Decameron”. Este já se encontra mais velho, mas é um apontamento interessante por parte da produção, que simulou como seria parte da ideia de Pasolini, mas aos dias de hoje. Já na obra de Ferrara, Davoli, que houve com atenção as ideias do seu amigo e cineasta, é interpretado por Riccardo Scamarcio.

Para o artista italiano, a ideia de um espaço perfeito e de etapa final era irreal. Sempre com a componente sexual presente, esta seria uma obra bastante verdadeira e crítica, pois Pasolini procurava constantemente expor o Homem aos seus pecados e às consequências dos seus comportamentos. O que se segue, é a consequência das decisões do realizador italiano, que não poderia resultar num final mais trágico.

Após ir buscar um dos rapazes já “seleccionados”, Pasolini leva o jovem a jantar. Percebemos que na chegada ao local, este já é um “velho conhecido”. No final, após a chegada a uma praia deserta em Óstia, Pasolini é vítima de uma emboscada, na qual o seu “amigo” também participou ativamente – Pino Pelosi (Damiano Tamilia) – tendo resultado na morte do realizador italiano. Pelosi foi acusado em 1976 pelo homicídio de Pier Paolo Pasolini, no entanto, tudo indica que realmente houveram mais pessoas envolvidas nos atos de violência, levando Abel Ferrara a retratar partes deste triste episódio com mais pessoas.

Epifanio e Ninetto Davoli a chegarem ao paraíso

De uma forma geral, “Pasolini” é uma experiência agradável e verdadeira, levando o espectador a entrar um pouco no mundo de Pier Paolo, mas sempre de uma forma algo distante. A ideia de centrar a narrativa no último dia de vida do cineasta é interessante pela retrospectiva, tentando recriar a mente e os acontecimentos de um agente importante na história da sétima arte. Mas, ao mesmo tempo, por existir esta componente biográfica, é necessário um background mais abrangente, de forma a que certas questões sejam mais claras para quem não conhece a personalidade em questão.

A estética e a fotografia de “Pasolini” são irrepreensíveis, ao nível de Ferrara, contudo, o filme parece pecar no conteúdo propriamente dito. A análise é fria, pois foca-se demasiado nos factos e nas ideias que não chegaram a acontecer.

O momento mais relevante para quem queira conhecer mais sobre este realizador, e que espelha a sua linha de pensamento, é o capítulo da entrevista. Fora isso, a narrativa parece divagar um pouco pelos acontecimentos inevitáveis da história, sem propriamente “explicar” os seus contextos e motivos. Bem trabalhado, “Pasolini” mistura de forma um bocado atabalhoada os factos com a visão poética de Pier Paolo. Damos connosco no fim a pensar: “Já está?”

Rating: 2.5 out of 4.

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