Sem que nada o fizesse prever, “Bound”, ou na sua tradução “Sem Limites“, é uma experiência para a qual pagamos um bilhete e temos a oferta não de um, mas de pelo menos dois bilhetes. Isto porquê? Porque, de uma forma simples e subtil, estamos perante uma obra que aborda o mundo do crime, do amor, e ainda um pouco da comédia.
Realizado pelas The Wachowski Brothers (Lana Wachowski e Lilly Wachowski), “Sem Limites” leva-nos através de uma teia de relações onde todos têm a perder e a ganhar. Numa balança constantemente em actividade, os pesos tendem quase sempre para o lado feminino, seja pela sua perspicácia, seja pela relação sedutora que se cria entre as duas personagens principais.
Numa narrativa escrita pelas próprias irmãs Wachowski, Corky (Gina Gershon) e Violet (Jennifer Tilly) trocam os primeiros olhares no elevador, olhares esses que se revelariam proliferos quer a nível sentimental, como a nível monetário. Corky é uma espécie de carpinteira, pintora e canalizadora, basicamente uma mulher com umas “mãos mágicas”. Já Violet não se chega a perceber muito bem o que faz, mas pouco lhe é exigido quando o seu companheiro faz parte da Máfia.


Ambas são vizinhas. As paredes são finas e pouco isoladoras, fazendo-se ouvir facilmente os ruídos vindos do outro lado. Neste caso, as paredes têm ouvidos muito apurados. Essa falta de isolamento sonoro revela-se importante ao longo da narrativa, representando uma falsa barreira física. Existem impulsos no ser humano que nenhum tipo de muro pode dissuadir. Violet arranja o número do apartamento ao lado e diz que perdeu um brinco na banca. Corky não tarda em resolver o problema, mas logo percebemos que foi só uma desculpa para poder chegar perto do seu maior desejo. Desejo esse, correspondido.
“Desde aquela vez que te vi no elevador que sempre te quis“, admite Violet à sua nova paixão, Corky. A relação entre as duas torna-se cada vez mais intensa e íntima, quer a nível sexual, quer a nível pessoal. Com a entrada do companheiro de Violet em cena, Ceaser (Joe Pantoliano), o filme escala do romântico/erótico para o mundo do crime. Dois milhões de dólares é muito dinheiro, e o mesmo pensaram as duas principais protagonistas. A homossexualidade entre duas mulheres era visto como algo “fora da caixa”, ficando patente no filme que estas sentiam-se como duas outsiders. A solução? Fugir com o dinheiro.
Para isso, Violet e Corky engendraram um plano para conseguir “dar o golpe” a Ceaser. Como não podia deixar de ser, as coisas não correm propriamente como deviam, acrescentando assim uma grande dose de mistério e suspense à obra. Já com algum sangue e violência, a narrativa entra numa montanha-russa que prende o espectador à cadeira, nunca sabendo o que poderá acontecer na próxima cena. É um suster da respiração, a arte de jogar com a imprevisibilidade.
É com esta premissa, e muitas outras, que “Bound” prima pela diferença, mesmo sem ser um filme “diferente de tudo o que já se viu”. Ter Joe Pantoliano a mediar um episódio de crise, e ao mesmo tempo a lidar com os seus próprios medos, é por si só um convite bastante apetecível à visualização. Contudo, é também impossível ficar indiferente à voz de Jennifer Tilly, que parece, independentemente da situação à sua volta, estar constantemente a seduzir o receptor e o espectador: somos voyeurs de um dom natural.

Tal como refiro, a história não é algo de propriamente inovador, mas a junção de estilos e a própria evolução da narrativa faz desta obra obrigatória na carreira das irmãs Wachowski – que viriam a realizar “Matrix” três anos depois (1999). Quanto ao papel dos personagens, é sem dúvida uma combinação de sóbrias e sólidas performances, com destaque para a química entre Gina e Jennifer. Contudo, apesar de Gina Gershon desempenhar muito bem o papel de “maria-rapaz”, não tem muita preponderância na chave do sucesso. Na segunda metade da narrativa, parece ser um simples “complemento” ao resto da história, estando distante do enredo.
“Bound” é um filme intenso, sedutor, inquietante e violento. Para os mais sensíveis, tapar os olhos em algumas cenas com ameaças por parte da Máfia pode ser o mais sensato, mas tenho que referir essas mesmas cenas como um ponto positivo. A cinematografia está ao nível da escrita: excelente. Sendo esta obra filmada em ambientes maioritariamente escuros, a sua mística está quase sempre de mão dada a uma realidade de sofrimento e mistério, e fica demonstrado que a confiança é algo de muito valioso e raro no ser humano.