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Porque A Arte Somos Nós

“De Mysterris Dom Sathanas”, dos Mayhem, é considerado por muitos o verdadeiro nascimento da vertente black metal, com origem na Escandinávia, mais precisamente em países como a Noruega e Suécia. Esta é uma espécie de junção entre os estilos thrash metal e death metal, tendo como “regra” a criação de letras alusivas a temas pagãos, satânicos, anticristãos e ocultos no geral. É um facto que muitos defendem que o black metal vem já da década de 1980, com bandas como os Venom ou King Diamond, mas o estilo como o conhecemos hoje em dia, só foi solidificado no início da década de 1990.

Um grande contributo para este estatuto foi o primeiro álbum de estúdio da banda norueguesa Mayhem. Composta por Per Yngve Ohlin (Dead, vocais), Øystein Aarseth (Euronymous, guitarra), Jørn Stubberud (Necrobutcher, baixo) e Jan Axel Blomberg (Hellhammer, bateria), a banda começou a trabalhar em “De Mysterris Dom Sathanas” em 1987, sendo que em 1990 já havia composto as músicas Funeral Fog, Freezing Moon, Buried by Time and Dust e Pagan Fears.

Contudo, as versões finais não seriam estas, pois a tragédia do vocalista Dead iria obrigar a um adiamento da gravação em quase dois anos. Este suicidou-se em 1991, com apenas 22 anos, e prova disso é a própria capa da bootleg ao vivo “Dawn of the Black Hearts” – uma fotografia tirada pelo próprio guitarrista Euronymous.

A banda sempre viveu assombrada por este episódio na sua história, mas não ficou por aqui. Em 1993, e com apenas 25 anos, Euronymous é assassinado. O autor do crime foi, nada mais nada menos, do que o baixista que tocou nas gravações finais de “De Mysterris Dom Sathanas”, Varg Vikernes, também conhecido por ser o criador da banda Burzum. Euronymous chegou a gravar o álbum inteiro como guitarrista principal, mas este só veria a luz do dia em 1994.

Com um assassino e um morto nos créditos, os pais do guitarrista ainda pediram ao baterista Hellhammer que removesse as faixas de baixo gravadas por Vikernes. Contudo, tal nunca veio a acontecer. Para Hellhammer, “seria apropriado que o assassino e a vítima estivessem na mesma gravação“; este prometeu que regravaria as partes de baixo, mas nunca o fez.

Formação “clássica” dos Mayhem – Dead, Hellhammer, Euronymous, Necrobutcher (da esquerda para a direita)

Polémicas e histórias à parte, “De Mysterris Dom Sathanas” foi considerado pela IGN (Imagine Games Network) como um dos 10 Melhores Álbuns de Black Metal. Para a gravação do disco,  Euronymous recrutou Attila Csihar, que fazia parte da banda húngara Tormentor, como vocalista. O álbum inicia-se com Funeral Fog, que com uma letra bastante simples, é o tiro de partida para uma jornada de 46 minutos com muita violência, obscuridade e speed. Esta faixa é um excelente exemplo de black metal: batidas e riffs muito rápidos, em conjunto com vocais extremamente roucos e até algo incompreensíveis.

Freezing Moon, uma das músicas dos Mayhem com mais covers por parte de outras bandas, foi escrita por Per Yngve Ohlin (Dead) e lança-nos numa espécie de melodia que acaba por rebentar numa explosão de energia, fazendo a certa altura, graças aos seus riffs, lembrar os filmes de vampiros. Seguem-se Cursed in Eternity e Pagan Fears. A primeira, a par de Funeral Fog, apresenta uma letra muito básica, contudo, a bateria de Hellhammer destaca-se pela positiva, bebendo muito do thrash metal. Por sua parte, Pagan Fears é mais progressiva, não faltando o seu instrumental mortífero, mas consegue ser uma das faixas mais interessantes do álbum.

Atrevo-me a dizer que Life Eternal é a música mais pesada em toda a obra: pode soar irónico, tendo em conta que todo o álbum é “heavy“, mas a anarquia sonora aqui tocada está um pequeno degrau acima das restantes. “I am a mortal, but am I human? / How beautiful life is now when my time has come“. O tema da morte sempre presente.

From the Dark Past destaca-se pelos vocais de Attila Csihar, demonstrando que, mesmo para quem não gosta deste estilo, há que reconhecer que não é qualquer um que consegue cantar desta forma. Buried by Time and Dust é a faixa mais curta do álbum, apressando-se a chegar ao título final: De Mysteriis Dom Sathanas. A faixa pagã é uma oferenda ao Diabo, com menções a rituais satânicos (“Bring us the goat“) e onde se pode traçar um paralelismo à própria religião católica: o sacrifício animal. O final de “De Mysterris Dom Sathanas” é uma celebração em si. Não tendo Dead chegado a tocar esta música ao vivo, não imagino ninguém melhor do que ele para a ter criado.

Como um trabalho do demónio, esta obra dos inícios do black metal propriamente dito é mais do que um simples álbum: é um símbolo. Um motim que marcou uma geração. Na sua capa está representada a cobertura do lado leste da catedral de Nidaros, na cidade de Trondheim, na Noruega. Segundo certos relatos, Euronymous e Vikernes haviam planeado explodir a Catedral Nidaros de forma a coincidir com o lançamento do álbum. Tal não aconteceu, felizmente.

É uma peça incontornável, com uma grande aura envolvente, devido às histórias dos membros que passaram pelos inícios da banda. É um estilo musical muito particular, que acaba por se tornar repetitivo em vários momentos. Mas como há alturas para tudo, haverá com certeza para ouvir “De Mysterris Dom Sathanas”. Este título é uma frase em latim traduzida por Euronymous e significa “O Ritual Misterioso do Senhor Satanás“.

(O filme sobre os Mayhem, “Lords Of Chaos“, pode ser encontrado no site, aqui)

Rating: 3 out of 4.

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