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Porque A Arte Somos Nós

Existem certos marcos na história do nosso país que ninguém esquece: o nascimento da nação pelas mãos de D. Afonso Henriques, as descobertas marítimas, a implantação da Republica, o 25 de Abril e… um disco que deu pelo nome de “Ar de Rock” de Rui Veloso!

Estávamos no longínquo ano de 1980 quando um rapaz de 23 anos, nascido em Lisboa mas a viver na Invicta desde poucos meses de vida, de nome Rui Manuel Gaudêncio Veloso decide gravar um disco de inspiração rock/blues, não fosse ele “viciado” em B. B. King, na companhia de Zé Nabo no baixo e Ramon Galarza na bateria, e com a preciosa ajuda de Carlos Tê, inspirado letrista que viria a ter um papel preponderante na carreira de Rui. Vivíamos por esta altura o vai não vai da música rock em Portugal.

Tinham já passado alguns anos da revolução de Abril, mas tudo ainda parecia preso e agarrado ao passado. Ainda achávamos que só existia musica feita no “estrangeiro” apesar da visão de alguns músicos portugueses que há muito marcavam lugar no panorama nacional, como José Cid e outros inovadores que, para todos os efeitos, eram um nicho de mercado. Havia que alterar este estado de coisas e dar o pontapé de saída para o que viria a ser um muito bem conseguido movimento de nascimento de novas bandas rock em Portugal.

Nota: Não considero em momento algum que o Rui tenha sido o pai do rock em Portugal (ele também não), uma vez que, como diz o ditado, “a ocasião faz o ladrão”, e o Rui estava no sítio certo à hora certa a fazer o que se impunha: um disco que ficará para sempre gravado na pedra dos anais da música portuguesa. O rock em Portugal já existia há muito!

Rui Veloso na década de 1980

Falar de “Ar de Rock” é, aparentemente, muito fácil, tal a simplicidade e fluidez deste trabalho de composição melódica simples, mas ao mesmo tempo variada e envolvente, cativante e diria mesmo em alguns momentos viciante… na época ouvimos até à exaustão! Este trabalho é muito mais que o super popular Chico Fininho, como alguns por vezes querem fazer parecer. No seu alinhamento conta com temas de uma qualidade imensa, tanto ao nível da composição musical como de letras. Este é claramente um trabalho inspirado na cidade do Porto e na sua envolvente, como é bem perceptível ao longo dos onze temas que fazem parte do disco.

O primeiro destes é Rapariguinha do Shopping e reflete de forma perfeita uma figura bem na moda à época, a fazer lembrar as tardes passadas no shopping Brasília a observar estas personagens que nos enchiam a vista. Ai Quem Me Dera Rolar Contigo Num Palheiro é um tema bem ritmado e que releva a atracção feminina e o desejo que desperta no imaginário do autor.

O terceiro tema é Bairro do Oriente, possivelmente um dos mais belos temas editados por Rui Veloso com uma melodia maravilhosa e de uma envolvência extraordinária, pura inspiração da dupla Tê/Rui. Linda. Afurada é um tema totalmente dedicado aos pescadores da outra margem do Douro e que reflete a dureza e o sofrimento de todos que agarram aquela profissão na incerteza dos dias de faina dura. O quinto tema é o célebre Chico Fininho e julgo que todos têm uma ideia muito precisa do “Freak da Cantareira”.

Novamente a imagem feminina está presente em Sei de Uma Camponesa num tema muito bonito que nos transporta à paixão pela mulher idílica. Em seguida um tema mais enérgico, Miúda (Fora de Mim), centrado novamente na paixão feminina com ritmo estimulante e bem construído. A oitava faixa é novamente uma inspiração Tê/Rui, Saiu Para a Rua, de uma melodia maravilhosa e que é para mim outro dos melhores temas compostos por esta dupla. Letra simples mas com elevado significado, mais uma vez com a mulher como inspiração. No domingo fui às Antas é um tema simples e ligeiro que alude a uma zona da cidade que serve como mote à composição.

Rui Veloso

No penúltimo tema do disco, Rui oferece-nos um minuto e meio da sua destreza para tocar harmónica e chamou-lhe, bem, Harmónica Azul. Neste pequeno devaneio a solo ficamos a perceber melhor porque é que o Rui aos 23 anos já era um músico com elevada formação musical. Finalmente, Donzela Diesel, tema com elevado significado, adverte para a visão da mulher que vive da ilusão da facilidade em troca de prazer. Bons ritmos que completam um trabalho marcado pelos sons rock muito bem interpretados por estes excelentes músicos, centrados na figura de Rui Veloso.

Trata-se definitivamente de um marco histórico na música rock do nosso país, não só pela visão descomplexada e simples na forma de tocar, como também na forma de transmitir uma mensagem objetiva a quem a ouve. Os três músicos estavam em perfeita harmonia na construção deste trabalho e a pureza instrumental é uma constante. Não é possível deixar de salientar o excelente domínio da guitarra que o Rui já apresentava nesta altura, para além das intervenções com harmónica que introduzem um estilo mais country a alguns temas. Perfeito.

Em suma, aconselho qualquer um a ouvir ou revisitar este trabalho pois vale muito a pena, mas, façam-no com calma e concentração, agora temos muito tempo. Prestem especial atenção às composições melódicas e, obviamente, às letras que são uma inspiração. Não esquecer que este trabalho tem quarenta anos. Já quarenta anos. Impecável!

Bons sons. Protejam-se.

Jorge Gameiro

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