Associamos muitas vezes os blues aos campos de algodão do sul dos Estados Unidos, com muito suor e trabalho, mas “Blue Collar” vem desde já dar um toque mais moderno e electrizante, industrial: uma fábrica de automóveis onde metade dos seus trabalhadores são negros, a outra metade brancos. Todos americanos, todos sindicalizados. Salários baixos, orçamentos familiares pela costura, direitos negligenciados, é assim a vida de um operário norte-americano no final dos anos 70.
Esta é a primeira aventura de Paul Schrader como realizador, que contava já na bagagem com os argumentos de “O Executor Implacável” (1977), “Obsessão” (1976) e do famoso “Taxi Driver” (1976). Este voltou a concentrar forças na balança da justiça, tecendo uma análise à conjectura proletária da época. O argumento aprofunda também as questões raciais, que no contexto deste filme são também questões estratégicas dentro da própria organização do sindicato – os tais que estão encarregues de proteger os seus trabalhadores contra tudo e contra todos, “a todo o custo”.
Os três personagens principais nesta obra são Zeke (Richard Pryor), Jerry (Harvey Keitel) e Smokey (Yaphet Kotto), e os três têm algo em comum: dividas a pagar. Smokey é o único que não tem uma família para sustentar, contudo, podemos observar que este consegue, ao contrário dos seus colegas, ter um nível de vida mais elevado: um carro melhor, móveis melhores, sofás melhores, e até alguma droga. Uma vida a crédito no auge do capitalismo.

Ao início somos confrontados com a entrega e a dedicação dos três personagens ao seu sindicato, que apesar de nem os cacifos arranjarem, se recusam a falar mal ou a dar qualquer tipo de informação que possa vir a difamar a organização, mais precisamente a um agente do FBI. Contudo, esta postura não se iria manter durante muito tempo.
Após uma visita de um agente governamental, mais propriamente um fiscal, Zeke vê-se obrigado a pagar uma multa pesada por ter declarado ter seis (!) filhos, enquanto que na realidade só tem três. Jerry, que de noite trabalhava também numa bomba de gasolina, contrai uma dívida para poder pagar um aparelho dentário à sua filha (anteriormente já tínhamos sido confrontados com a escassez alimentar neste agregado familiar). Já Smokey, contrai uma dívida para comprar um carro novo… Situações distintas, mas que nos fazem reflectir sobre a nossa dependência do dinheiro e dos seus “vícios”. Tal como Zeke a certa altura diz à sua mulher “agora que temos televisão, vamos ver todos os programas, já está pago!“.
A certa altura, o mesmo Zeke percebe que a solução para os seus problemas, e dos seus amigos, estaria no cofre da sede do sindicato, e estes rapidamente traçam um plano para trair o seu “escudo protector”. As coisas acabam por não sair bem como os três colegas pensavam, e toda a narrativa vem pôr ao de cima todo um jogo de poder, traições e violência. Desde perseguições à paranóia, “Blue Collar” demonstra a fragilidade dos precários, dos que lutam em troca de muito pouco. É uma obra urbana, ao gosto de Schrader, e com uma história à partida banal, mas cheia de oportunismo e elementos semióticos.

Tal como somos presenteados com as dificuldades de Smokey, Jerry e Zeke, também nos é dado o outro lado da moeda, os escapes. Temos que nos pôr na pele destes personagens e tentar absorver o seu cansaço físico e psicológico, para além de que fica patente ao longo do filme a sua simplicidade intelectual. Escapes estes que consistem em estar com outras mulheres, consumir cocaína e dançar ao som dos blues. Uma associação musical interessante ao longo da narrativa, dando mais ênfase às acções complementadas pela banda sonora.
O filme passa-se na cidade de Detroit, um grande centro industrial dos Estados Unidos da América à época. Com muito em cima da mesa, os “três mosqueteiros” vêm-se numa situação muito complicada com os poderes superiores, originando um “salve-se quem puder”. Com uma oferta muito especial feita a Zeke, este troca a sua integridade e a amizade dos seus amigos por um cargo superior na fábrica.
“Tenho contas para pagar, tenho uma família para sustentar”.
Paul Schrader, para além de mais um filme sobre o proletariado e sobre máfias associadas a sindicatos, pretende pôr à prova o valor moral, a força espiritual, a amizade e os interesses da sociedade moderna, em situações de extrema dificuldade e responsabilidade. Nunca estamos sós. “E eu sei, um homem é suposto cuidar da sua família.” É uma crítica aos sindicatos e à forma como este tipo de organizações está escalada, e em como todos os seus agentes se aproveitam do seu estatuto para com os ditos mais fracos. Uma prova descarada desse apontar de dedo é a forma como o os trabalhadores negros eram tratados na fábrica.
Tudo isto só é possível também graças a uma excelente atuação por parte dos três principais atores, que à superfície parecem ter papeis relativamente simples, mas conseguem acrescentar uma intensidade especial à sua realidade. Segundo certos testemunhos, a relação entre Richard Pryor, Harvey Keitel e Yaphet Kotto era tudo menos boa, sendo que Schrader tinha de estar sempre preparado para qualquer eventualidade durante as gravações, aproveitando sempre ao máximo todas as oportunidades, pois sabe-se lá quando alguma coisa iria sair fora guião.
Uma estreia em grande do cineasta no campo da realização.
“Eles arranjam problemas entre os novos rapazes, os jovens contra os velhos, os brancos contra o negros. Tudo o que eles fazem é para nos manter no nosso lugar.“