Entusiástico, cativante e tecnicamente fascinante, este não é um daqueles filmes de época que está destinado a colher pó na prateleira. Não fosse “The Favourite” (“A Favorita“) realizado por um dos cineastas mais distintos e qualificados do momento: o grego Yorgos Lanthimos. Desde “Canino” (2009), onde se destacou pela primeira vez, o seu trabalho envolveu-me nos traços chocantes, absurdos e ambíguos que caracterizam os argumentos com que trabalha (e muitas vezes participa). Este não foi excepção.
Acaba por ser o seu projeto mais acessível e comercial até à data, o que é interessante visto que se trata de uma comédia trágica num palácio inglês do século XVIII, carregado de impulsos sexuais e intriga. A governanta chama-se Anne (Olivia Colman), uma monarca deprimida, vaidosa e permanentemente doente que tem como fiel confidente Sarah (Rachel Weisz). De formas diretas e indiretas, Sarah manipula a rainha a seu belo proveito, mas a relação é posta em causa com a chegada de Abigail (Emma Stone), uma prima distante à procura de uma ocupação.
A atormentar o reinado de Anne está uma guerra com França e a indecisão de um tratado de paz. O filme toma várias liberdades criativas, mas é elucidativo no que diz respeito à influência que este triângulo amoroso teve num certo momento da nossa História. Anne foi a última monarca da linhagem de Stuart, tendo ficado viúva e perdido 17 filhos. Não admira que seja uma pessoa tão danificada, algo que Colman faz transparecer na sua interpretação.
E que interpretação. A atriz desaparece no papel da rainha Anne através de uma mistura de infantilidade e desorientação, algo que proporciona momentos hilariantes, assim como outros de puro terror. É uma performance extremamente complexa e humana, perseguida pelos tumores do passado da personagem. Mais estáveis são Sarah e Abigail, ainda que altamente astutas e orientadas pelo egoísmo. Tanto Stone como Weisz estão à altura do desafio e alcançam um dos seus trabalhos mais maduros até à data.
Mas “A Favorita” é muito mais do que três atuações brilhantes. Desde a direcção de fotografia de Robbie Ryan, que arredonda os cenários a partir de uma objetiva grande angular, até ao guarda-roupa, cabelo e maquilhagem precisos, o mundo do filme vagueia entre o sonho e o pesadelo. Para não falar da música clássica, que além de coincidir com o tremendo valor de produção, vem também ampliar a natureza trágica da narrativa.
Ao trabalhar um argumento escrito por Deborah Davis e Tony McNamara, Lanthimos utiliza as várias disciplinas do cinema para contar uma história universal onde o jogo de poder é uma constante e nunca se sabe quem está no controlo. Entretém desde o princípio, é imprevisível, ousado e mantém a identidade de um realizador que tem demonstrado vezes sem conta uma profunda apreciação pela sétima arte.