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Porque A Arte Somos Nós

De forma bastante transparente e inspiradora, “Mystify” – também título de uma famosa música dos INXS – tenta desvendar a alma e a pessoa de Michael Hutchence. O filme transporta-nos durante aproximadamente uma hora e quarenta minutos por uma impressionante quantidade de imagens e vídeos de arquivo, que vão desde a nascença do cantor australiano até aos últimos suspiros do mesmo. A obra entra no lado mais íntimo de Hutchence, revelando toda a sua veia artística, o seu charme, as suas crenças, a sua ideia sobre o amor, os seus relacionamentos, e também um acidente que se revelou fatal para a sua saúde psicológica. Este admite ter começado a cantar após ter ouvido a interpretação de Respect, por Aretha Franklin. O que se seguiu, ficou cravado na história.

O documentário, realizado por Richard Lowenstein, começa por fazer uma abordagem à fama atingida pelo cantor dos INXS, ao sex symbol, ao frontman, ao homem tímido que se transformava em palco. Do início ao fim do filme somos confrontados com os contrastes de Hutchence, havendo sempre uma tentativa de desmistificação da persona do australiano enquanto artista. A narrativa é conduzida pelos comentários de familiares, amigos e ex-companheiras de Michael, que põe a nu o homem sensível que tinha a necessidade de se afirmar como artista, e que achava o conceito de fama “limitado”. Confissões que vão desde o seu irmão mais novo Rhett a Kylie Minogue. A viagem ao passado de Hutchence, que nasceu na cidade de Sydney, filho de Kelland Frank Hutchence e Patricia Glassop, revela o seu crescimento atribulado a nível afectivo, levando o artista a refugiar-se na arte. A curiosidade na busca de respostas a várias questões existenciais, desenvolveram em Michael um grande interesse por literatura e poesia, mais especificamente em autores como Albert Camus ou Charles Bukowski. Esta sua inclinação levou-o a escrever as suas primeiras canções, que se veio a revelar produtivo no futuro.

A quantidade de arquivo de concertos ao vivo faz qualquer fã de INXS chorar por mais. Desde o início dos anos 80 até ao famoso concerto “Live Baby Live” (Live At Wembley Stadium 1991), conseguimos sentir a energia e a presença do australiano, uma figura confiante com um estilo marcante. Presença essa revelada fora dos grandes palcos, onde observamos um homem sensível capaz de captar a atenção de tudo e todos pela sua imagem icónica e olhar penetrante. Como é espectável, o seu sucesso dentro do público feminino era elevado, contudo Michael não era totalmente seguro de si. Tal como afirma o seu amigo e vocalista da banda U2, Bono Vox, “ele não tinha noção do quão bem cantava”.

Contudo, Hutchence era um homem livre e puro quando realmente amava alguém. O filme revela inúmeras gravações caseiras feitas por Michael e pelas suas namoradas, com destaque para Kylie Minogue, onde podemos observar uma grande química entre os dois. A cantora australiana descreve o seu namorado à altura como sendo um homem curioso por tudo o que o rodeava. Esta recorda o momento em que os dois visitaram o local em França onde decorre grande parte da história do livro “Das Parfum, die Geschichte eines Mörders” (“O Perfume, História de um Assassino“), de Patrick Süskind. Esta experiência iria no futuro revelar-se irónica. Já com Helena Christensen na vida de Michael Hutchence, na cidade de Paris, em 1992, os dois estavam a comer pizza na rua, quando a certa altura o cantor se recusa a desviar de um táxi. O condutor acabou por agredir Michael, e resultante da queda, o australiano ficou com uma grave lesão cerebral que culminou na perda do olfacto e de grande parte do paladar. A vida do australiano nunca mais foi a mesma, pois a nível comportamental este ficou mais violento e bipolar. Era o início do declínio.

Hutchence acabaria por se envolver com a apresentadora Paula Yates, na altura ainda casada com Bob Geldof. Desta relação resultou a única filha de Michael. Mas como nem tudo é simples, a separação de Yates e Geldof levou este a ir a tribunal lutar pela custódia das suas filhas. A pressão dos media sobre a agora companheira de Hutchence afectou-o ainda mais, levando-o a uma depressão ao qual se juntou o consumo de medicamentos e drogas.

Paralelamente, a sua carreira nos INXS vinha a perder notoriedade. Com “Elegantly Wasted”, a banda procurou voltar ao estrelato de 1987, mas tal foi impossível. O documentário foca os períodos de maior sucesso do grupo, inclusive excertos de processos artísticos, making of de vídeos, e um arquivo raro de actuações ao vivo, mas sempre muito focado no vocalista.

Muito mais haveria para falar, mas deixo-vos só com estas pistas do que podem encontrar neste fabuloso documentário. Este é transparente e verdadeiro, mostrando a luta de Hutchence contra a vida desde o início. É comovente, mas também é o desconstruir de uma personagem criada para o mundo que rodeava o músico. Graças a “Mystify”, parece que conseguimos “provar” uma fatia de quem era Michael Hutchence. Esta obra acaba, de certo modo, por ser uma lição para o espectador, pois é-nos permitido, de uma forma um bocado obscena, compreender o que levou o australiano a tirar a sua própria vida, em novembro de 1997. Para quem ainda tem dúvidas da riqueza e do talento de Michael Hutchence enquanto artista e pessoa, esta é a obra certa para clarificar essas ideias. Uma merecida homenagem com testemunhas de luxo, numa narrativa irrepreensível.

Rating: 4 out of 4.

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One thought on ““Mystify: Michael Hutchence”: A homenagem irrepreensível a um dos mais influentes artistas do séc. XX

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