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Porque A Arte Somos Nós

Nascido em Brooklyn, Nova Iorque, nos Estados Unidos da América em 1942, Lewis Allan Reed teve uma carreira brilhante e recheada de sucessos como cantor, compositor, poeta e músico, tendo-nos deixado em outubro de 2013 vítima de problemas de saúde.

Desde muito novo que se começou a interessar pelo rock and roll e rhythm and blues, apesar da sua personalidade frágil e insegura, até algo depressiva, tendo-se iniciado no mundo das drogas muito cedo e vivenciando experiências bastante traumáticas em ambiente familiar. Já na faculdade, tal não o impediu de fazer parte de algumas bandas uma vez que já tocava guitarra, tendo aprendido de forma autodidacta.

Em 1964, após conhecer algumas pessoas mais ou menos influentes no panorama musical nova-iorquino, formou com John Cale, Sterling Morrison e Angus MacLise, os Velvet Underground. No entanto, em 1970 a banda desintegra-se e Lou Reed inicia uma carreira a solo extremamente produtiva. Sendo um compositor nato, dá aso às suas aptidões e grava cerca de 20 trabalhos a solo, alguns em colaboração, ao longo da sua carreira. Obviamente que, para além destes trabalhos de estúdio, Reed gravou algumas performances ao vivo, e em 1975 edita “Lou Reed Live” – gravado em dezembro de 1973 na Academia de Musica de Howard Stein, Nova Iorque.

No resumo desta actuação, foram escolhidos os seis temas que constam neste disco (LP). Três temas daquele que é, sem dúvida, o trabalho de referência de Reed, “Transformer” (1972): Vicious, Satellite of Love e Walk on The Wild Side. Um tema do álbum de estreia dos Velvet, “Velvet Underground & Nico” (1967) – icónica capa da banana de autoria de Andy Warhol: I’m Waiting for the Man. E, finalmente, dois temas do álbum de estúdio do músico nova-iorquino, “Berlin” (1973): Oh Jim e Sad Song (os seis temas alinham-se por esta ordem). Todos são escritos por Lou Reed.

O lado A do vinil é preenchido pelos três temas de “Transformer”. Vicious é um tema forte, inspirado numa ideia que o amigo Andy Warhol dá a Reed, e que fala de uma relação ‘viciosa’ com alguém que queremos muito, mas de quem temos que nos manter afastados! Muita e boa guitarra ao longo dos quase seis minutos do tema, num acorde em repetição impossível de confundir, com riffs virtuosos de uma guitarra que parece querer ‘falar’ sem fim à vista. Fabuloso. Satellite of Love é um tema melódico e muito interessante de ouvir, onde a secção de guitarras está em grande, novamente, em picos sublimes logo desde o início do tema. No contexto da época, a canção fala de alguém que observa imagens de satélite na televisão e é transportado para fora da sua mente através das mesmas. Vocalmente, Reed está muito bem. Walk on The Wild Side é sem dúvida um hino maior da carreira do músico. Neste tema, a melodia desenvolve-se em crescendo e o artista brinca com isso mesmo, imprimindo um valor acrescentado ao tema. Este não poderia estar mais intimamente ligado a Warhol, pois Reed faz referência em cada um dos seus cinco refrões a estrelas ligadas ao Andy Warhol’s New York Studio (The Factory): “Holly Woodlaw” (actriz transsexual), “Candy Darling” (também actriz transsexual), “Little Joe” Dallesandro (actor), “Sugar Plum Fairy” (Joe Campbell, actor que personifica um traficante de droga) e “Jackie Curtis” (actor bastante ligado a Warhol). Esta é para mim, possivelmente, das melhores versões de sempre deste tema. Sublime. Curiosidade: “Transformer” é produzido por David Bowie e Mick Ronson (guitarrista), sendo que Bowie participa activamente em diversos temas do álbum em estúdio, fazendo backing vocals em alguns desses temas.

O lado B traz-nos uma outra perspectiva do trabalho de Lou Reed. I’m Waiting for the Man é um tema que faz parte do álbum de estreia dos “Velvet” e em termos musicais é muito interessante, pois desenvolve-se em torno das sonoridades da banda como um todo, guitarras, percussão, teclas, envolvendo o ouvinte numa audição muito agradável. Já aqui, o músico demonstrava toda a sua capacidade criativa. O tema tem relação com o mundo das drogas, estando o consumidor desesperadamente à espera do traficante algures em Harlem, sendo que este tarda em chegar. Muito bom. Oh Jim é um tema mais lento e suave e trata de uma relação de amizade em que existe dificuldade de reconhecimento da mesma ao nível das relações interpessoais. Neste tema, Reed explora a interacção melódica ao longo de dez minutos criando momentos de variação instrumental interessantes – tem o dobro da duração do tema em “Berlin”. A percussão e guitarra estão excelentes. Também muito bom. O álbum termina com Sad Song, uma canção relativamente lenta com bastante intervenção de coros, guitarra e teclas. É um tema em jeito de despedida, e talvez por isso tenha sido escolhido para fechar este álbum ao vivo, embora no concerto de 1973 tenha sido o penúltimo a ser tocado antes do encore final. Este faz uma analogia a Maria, rainha dos Escoceses, e de como o erro pode ser difícil de ver, tornando a suas consequências nefastas. Agradável.

Tratando-se de um trabalho registado ao vivo, é importante relevar a capacidade que os músicos que nele intervêm têm para nos transmitir um desempenho superior. Ao fazer a audição deste álbum de Lou Reed, não nos sentimos minimamente enganados, pois para além das capacidades do próprio, os músicos que o acompanham estão à altura. É impossível não referir a destreza de Steve Hunter na guitarra, pois é uma constante ao longo do concerto. Neste registo é possível obter o que de melhor (ou parte do que melhor) Lou Reed produziu até aquela data com a grande vantagem de ser ao vivo, sem filtros. Ainda assim, e analisando a setlist do concerto, ficamos com pena de não terem sido introduzidos mais um ou dois temas!

Quanto a Lou Reed, não há muito mais a dizer. Músico especialíssimo, diria quase único, no panorama rock à escala global, que apesar do seu percurso de vida marcado por coisas menos boas, como as drogas e os problemas de saúde que o afectaram desde novo, permanece como uma fonte de inspiração para os músicos de hoje, sendo respeitado por todos. Está, e estará, para sempre vivo nos nossos corações através da sua música.

A audição deste trabalho é imperdível!

Bons sons.

Jorge Gameiro

Rating: 4 out of 4.

One thought on ““Lou Reed Live”, Lou Reed: Música servida crua, como deve de ser

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