Nas dezenas de filmes que fazem parte da filmografia de Johnny Depp, existe um que me chamou especialmente à atenção. “Homem Morto” (“Dead Man“), filme de 1995, realizado por Jim Jarmusch conta no elenco, para além de Depp, com Gary Farmer, Michael Wincott, John Hurt, Robert Mitchum (numa das suas últimas aparições no grande ecrã), Mili Avital, Lance Henriksen ou Iggy Pop.
O filme é todo ele rodado a preto e branco, tornando a história bastante mais intensa, e aborda as desventuras de um jovem contabilista que viaja para uma remota cidade da América profunda atrás de uma promessa de emprego que não se concretiza. Na sequência do não emprego fica perdido sem viagem de regresso à sua terra natal, acabando por conhecer uma mulher que o procura confortar. No entanto, as coisas não correm bem e acaba por assassinar o pretenso amante da dita mulher após este disparar sobre ambos. Começa aqui, verdadeiramente, a história de William Blake (Johnny Depp), ferido e perseguido como assassino.

Jim Jarmusch transporta-nos através de uma história que tem tanto de espiritual como de cómica e violenta. William Blake conhece, e é ajudado na sua fuga, por um índio nativo que dá pelo nome de ‘Nobody’ (Gary Farmer), que vê nele o próprio do escritor inglês com o mesmo nome. Juntos passam por várias situações em que, por um lado, ‘Nobody’ ajuda William a sobreviver ao ferimento que este tem, encetando simultaneamente a fuga aos seus perseguidores, e por outro, o transporta a níveis espirituais transcendentes, através dos conhecimentos e cultos nativos da sua tribo.
Ao longo da história assistimos a uma transformação de William, rapaz pacato e receoso, que se vai moldando à medida que a sua vida está em risco, matando sem dó nem piedade para salvar a sua própria pele, tornando-se num assassino que lentamente vai perdendo a sua existência física por via das suas maleitas, mas descobrindo a sua força interior. É então que ‘Nobody’ prepara e leva William para a sua última viagem para o reino do desconhecido, em paz espiritual, liberto do físico e do terreno.

O filme é desconcertante pela forma como Jarmusch aborda a transformação de um indivíduo por força das circunstâncias em que se vê envolvido. A vida física e espiritual e a importância de cada uma delas na nossa existência. Ainda que com ausência de cor, para além do preto e branco, os cenários são cuidados e envolventes. O humor constante nas várias sequências são um reflexo cultural de uma América pobre nos confins da sua interioridade, chegando a ser gritante a “estupidez” de algumas personagens!
Não posso terminar sem referir a fantástica banda sonora deste Western dramático, a música de Neil Young imprime um carácter ainda mais profundo à história, tornando cada cena mais envolvente.
Para quem nunca viu este filme, aconselho vivamente a reservar duas horas para o fazer, pois não se irá arrepender. Johnny Depp é sem dúvida um excelente actor e tem neste filme um desempenho notável num contexto místico, perfeitamente adaptado à história.
Bons filmes.