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Um dos desafios do contínuo fenómeno da globalização diz respeito à preservação da individualidade cultural. Isto porque, num cenário de imigração, a integração nem sempre é conciliada com a manutenção das tradições nativas. O que pode espoletar sensações de desconforto, divisão e, no fim da linha, exclusão social. É neste pântano que se movem os horrores de “It Lives Inside” – “Não Abras“, título em português -, do cineasta indiano Bishal Dutta. Esta é a sua primeira aventura no formato longo depois de arrebatar diversos prémios com o seu currículo de curtas-metragens. Agora noutro molde, abraça com relativa destreza as convenções do género sem descolar de uma certa banalidade narrativa.

Nos subúrbios dos Estados Unidos, encontramos Samidha (Megan Suri), uma adolescente índio-americana que está a aproximar-se dos hábitos do país para se relacionar melhor com os seus pares. Ao mesmo tempo, a sua mãe (Neeru Bajwa) encaminha-a na direção das raízes indianas. Esta tensão, que combina cultura com identidade, estende-se à sua amiga, Tamira (Mohana Krishnan), que surge amedrontada e com um pote em mãos. No decurso de uma discussão, Samidha quebra o pote e liberta uma entidade demoníaca de palato carnívoro.

Neeru Bajwa (Poorna) e Megan Suri (Sam, Samidha)

Em matéria de pluralidade cultural, se há género progressista é, sem a menor dúvida, o género de terror. Talvez por ser, por excelência, a categoria cinematográfica que se ocupa do outro: aquele que mais facilmente é marginalizado, perseguido ou ignorado. Dois exemplos recentes são, justamente, “The Vigil – O Despertar do Mal” (2019), de Keith Thomas, que nos faz conviver com crenças do judaísmo ortodoxo, e “Candyman” (2021), a reimaginação de Nia DaCosta, motivada pelas dores da comunidade afro-americana em relação à gentrificação.

O filme de Bishal Dutta vem complementar este plano com a especificidade do imaginário indiano – demónio incluído. Enreda a vergonha e o desespero sob o manto do grotesco, à medida que isola violentamente a protagonista. Ao menor indício de amparo emocional, o consolo é abatido, posto de parte. A violência psicológica precede com frequência a violência física. São os primeiros passos dos rufias, dos cobardes, dos xenófobos. A força invisível que assombra a vida de Samidha pode alimentar-se de carne, mas vive da segregação.

Em termos estéticos, “It Lives Inside” configura o medo recorrendo à intensidade da jovem Megan Suri. A câmara está completamente enamorada pelo seu rosto de traços redondos e grandes olhos, captados sobretudo em planos fechados. São eles que, em parte, absorvem a tensão de cenas chave e projetam o pavor. Este é, a respeito dos enquadramentos, um filme de planos cerrados e espaços interiores, onde o jogo de luzes vermelhas e sombras negras faz render melhor o orçamento reduzido.

“It Lives Inside” (2023)

Os sobressaltos não são, por certo, a sua mais-valia. Podia ter uma atitude mais aguerrida e criativa na construção das cenas, em vez de encarrilar por uma série de lugares-comuns, como as sequências oníricas desajeitadas, que pouco exponenciam a ameaça. Já em pleno terceiro ato é quando o interesse do filme prescreve por excesso de comodismo. Desenrola-se o confronto final, com voltas, reviravoltas, preces e sujidade à mistura. Uma catarse que, apesar de entreter os sentidos, não é muito envolvente.

Com o progredir da história, “It Lives Inside” torna-se, portanto, menos contundente na sua mensagem e menos intrigante na forma como a constrói. Carece de reformas que inovem o desenvolvimento da sinopse em que se baseia, ainda que mantenha a consistência na exploração dos seus temas e também alguns apontamentos curiosos de gramática visual. Uma adição ao género que merece consideração, mais não seja para assinalar Bishal Dutta e Megan Suri como nomes promissores no mapa cinematográfico.

Bernardo Freire

Rating: 2.5 out of 4.

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