Sally Rooney é a talentosa autora irlandesa de “Pessoas Normais“, porém, nem todos saberão que a sua primeira obra é, na verdade, “Conversas entre Amigos”, publicado em 2017. Esta última narra a história de quatro pessoas cujas vidas ficarão entrelaçadas. A protagonista é, sem dúvida, Frances, uma jovem estudante de 22 anos e aspirante a escritora. A pessoa que lhe é mais próxima é a sua ex-namorada, Bobbi. O contraste entre estas personagens marca um tom muito interessante nas suas interações. Bobbi é a alma da festa, extrovertida, sempre com respostas prontas e com um pavio curto. Já Frances é tímida, extremamente racional, pouco faladora e muito adepta de “ficar no seu canto”.
Enquanto uma dá demasiado nas vistas, a outra passa extremamente despercebida. Apesar de já terem tido uma relação, mantêm uma boa amizade, mas com muitos problemas e algumas falhas que foram ignoradas e tapadas. O que sustenta a amizade das duas no início da obra é a poesia. É o que as une, pois juntas fazem leituras em cafés e bares de poemas escritos por Frances. É numa destas atuações que conhecem a intrigante e bastante conhecida jornalista, Melissa. Melissa é uma mulher mais velha, com poder e presença. Junto com esta personagem, conhecemos o seu marido, Nick, um ator com uma beleza quase melancólica.
A história desenrola-se, assim, em torno das interações destes quatro personagens cujas vidas se vão confundir à medida que se vão conhecendo, passando tempo juntas e desencadeando assim sentimentos confusos e situações constrangedoras. Efetivamente, Frances e Nick, desde o início, identificam-se bastante um com o outro por serem mais recolhidos e conviverem com pessoas mais abertas e personalidades mais fortes. No entanto, a relação dos dois tornar-se-á cada vez mais íntima e mais perigosa.

Do ponto de vista crítico consigo decifrar facilmente o facto desta obra de Rooney não ter tido um sucesso espontâneo quanto “Pessoas Normais”. Tal acontece porque nota-se na sua escrita um tanto de imaturidade que a obra seguinte não tem. “Conversas entre Amigos” é feito de personagens com pouca evolução, pouca profundidade emocional e pouco desenvolvimento. Em certos momentos, parecem mesmo pessoas simplesmente vazias e com um conteúdo parco. Frances cobre-se com racionalidade ao longo da obra e parece nunca ter emoções. Espera-se desta personagem uma abertura que nunca acontece.
Bobbi não passa de uma jovem mimada que procura ter opiniões fortes e contraditórias acerca de tudo, apenas para notarem a sua presença e se sentirem incomodados com ela, mas não passa disso. Melissa demonstra ser forte, no entanto, apenas como aparência, já que não tem absolutamente controlo nenhum sobre a sua vida pessoal. E, por fim, Nick é simplesmente neutro… completamente neutro. Parece sempre estar triste e não tomar decisões nem posições, apenas existe nas cenas.
Para além disso, chega mesmo a ser frustrante o facto de todos parecerem tomar as decisões erradas precisamente nos momentos errados. Nenhum parece querer mudar, melhorar ou sequer tentar fazer algo de diferente com as suas vidas. Todos se acomodam com as situações negativas em que se deparam – Frances e Nick não se separam nem tentam ter uma relação séria, ao passo que Bobbi e Melissa abafam os problemas da sua relação e apenas a aceitam como ela é, ou seja, péssima.
Não quero com isto tudo dizer que seja um mau livro, talvez a intenção da autora seja justamente essa, a de mostrar que, atualmente, as relações são mesmo isso, superficiais, sem conteúdo, sem profundidade emocional. É algo que retrata provavelmente muitas situações, nomeadamente o facto de Melissa, após saber da traição do marido, querer arranjar forma de conciliar a vida dos três na maior das normalidades.

Há ainda uma grande troca da palavra “amo-te”, porém, sem consistência: “Eu amo-te, tu sabes que sim“, mas sem nada que o sustente, sem nada que mostre uma doação de um personagem a outro de verdadeiro amor, de entrega. Parecem todos muito focados em si próprios e ao mesmo tempo o contrário. São desligados da sua verdadeira e mais íntima forma e egocêntricos, não permitindo ao outro aceder.
Contudo, convém ressaltar os aspetos positivos que nascem desta obra, já que introduz ao longo da história vários temas relevantes. Fala-nos da dificuldade financeira dos estudantes universitários, enquanto espelha um contraste claro entre pessoas de classes sociais diferentes. Para além disso, retrata de forma clara a luta contra a depressão severa e a forma como esta condiciona a vida pessoal, social e emocional de quem sofre com a agonia e intensidade de uma doença aparentemente invisível. Por fim, uma das personagens possui uma condição raramente vista em obras literárias ou mesmo cinematográficas, a endometriose, uma doença dolorosa e incapacitante que afeta as mulheres.
Sally Rooney é uma autora com uma carreira em ascensão e o seu primeiro livro foi o espoletar dessa mesma carreira. “Conversas entre Amigos” é quase que uma sátira às relações atuais, com um enredo um tanto caótico e com personagens cujas vidas se entrelaçam e se sobrepõem constantemente. Para primeira obra esta é complexa, apesar de pouco profunda, bem escrita apesar de confusa, e ótima apesar de os personagens fazerem de tudo para a tornar má. “Conversas entre Amigos” é malicioso, sensual, inteligente e dará que falar.
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!