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“O que é certo é que homens e mulheres, todos se atiravam aos prazeres com uma intrepidez que fazia pressagiar o fim do mundo.”


“A Paz Conjugal”

“A Paz Conjugal”, pequena novela de Honoré de Balzac (1799-1850) é mais um apêndice do seu maravilhoso tomo “A Comédia Humana“. Composto por apenas 44 páginas, a ação ocorre no palacete de Gondreville, numa receção para cerca de 300 convidados. Lendo, entramos de penetras nesta festa e ficamos a par dos arranjos femininos e dos jogos de apostas dos homens, sendo os de farda um verdadeiro chamariz para o interesse das mulheres. Estamos em plena época de Napoleão Bonaparte, a França estende os seus domínios e os oficiais gozam de excelente reputação. Jogos de cenas e casais que se toleram (alguns), interesses vis e traições perfazem esta novela. Nesta passagem sentimos um pouco do ambiente:

As mulheres que se julgavam bastante poderosas, exclusivamente por sua beleza, vinham experimentar o seu poder. Ali, como por toda parte, o prazer nada mais era do que uma máscara. Os semblantes serenos e risonhos, as frontes calmas encobriam odiosos cálculos; as manifestações de amizade mentiam, e mais de uma personalidade desconfiava menos dos inimigos que dos amigos.

Ilustração da obra “A Paz Conjugal”, por David Murray Smith / Wikipédia

Uma dama retira-se para um lugar menos badalado do recinto e, com a sua estonteante beleza, somada à sua discrição e certo ar brejeiro, cativa a todos. A ponto de causar uma aposta entre o general Montcornet e um referendário, o barão Marcial de la Roche-Hugon, que cisma em dançar com a beldade. Ele já está comprometido com a senhora de Vaudremont, que também faz sofrer um pretendente, o apagado e tristonho conde de Soulanges, figura secundária na trama.

O autor ironiza toda essa licenciosidade, mesmo não sendo puritano o meu cérebro ficou tentando saber quem era de quem, se é que alguém era de alguém. Dândi, Marcial ostenta uma jóia no dedo e se destaca entre os convidados, mesmo que sob a lente do autor com uma adjetivação nada lisonjeira. As conversas entrecortadas continuam e, após Montcornet levar um fora da misteriosa dama, é chegada a vez da tentativa de Marcial.

A lúcida e moralista senhora de Lansac dá uma verdadeira aula sobre costumes e relacionamentos. Faz ver à angustiada senhora de Vaudremont que paixões e amores são coisas diferentes. Que as dores advindas e causadas no adultério não compensam e que com o passar dos anos o sossego condiz com o amor verdadeiro. E é aqui que se dá a primeira revelação: a misteriosa dama é sua sobrinha e é casada com o apático conde de Soulanges. Num destes arroubos, este presenteou a amante com um anel e a presenteada é justamente a senhora de Vaudremont.

O escritor francês Honoré de Balzac

Saímos deste recorte para observarmos o avanço na conquista de Marcial com a beldade. Ela faz o jogo, aceita um lugar mais reservado e quando este está no cume do Olimpo, inclusive dão-se as mãos, ela recebe o presente que é exatamente o anel. Sem desfaçatez, pega na jóia e esclarece ao perplexo pretendente que aquela jóia era dela mesma. Que lhe foi subtraída pelo marido e aqui a ironia do destino sorri com os seus dentes à mostra.

A paz conjugal verifica-se na saída de Hortênsia (este é o nome da exuberante mulher) e quando sobe ao seu palacete e dá de caras com o esposo no seu quarto (coisa que não fazia há muito) explica os motivos de ter ficado retirada na festa, exibindo a jóia que fecha a história.

Balzac, na verdade, é um adaptador desta trama. Ela foi atribuída a Charles Rivière Dufresny, um autor cómico do final do século XVII, mas a roupagem dramática foi expressada excelentemente pela pena do autor de “As Ilusões Perdidas“.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

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