Um representante do povo (responsável direto pelo bem-estar da população) e o seu secretário estão numa casa de campo finalizando os preparativos para o sétimo Seminário dos Ratos realizado pela RATESP. Uma infestação de ratos há anos vem causando problemas e nada foi feito de maneira efetiva, haja vista ser o sétimo seminário. O tempo passa, o diálogo se desenrola e mostra um pouco do termómetro dos acontecimentos e a reação do povo e dos próprios políticos com relação a isso, culminando num acontecimento inesperado para os personagens, mas inevitável dadas as circunstâncias.
Órgãos no governo são criados para regular prestações de serviço público, como saneamento básico, água, luz, etc., e para lidar com uma infestação de ratos não foi diferente. Ao longo dos anos a coisa vem piorando consideravelmente, os animais estão invadindo até as casas das pessoas, chegando mesmo a forçá-las a sair (as de menor renda principalmente). Gatos não são uma opção já que a fome nesse período já está tão agravada que todos foram comidos pela própria população que, sem direito a ser ouvida, se vira como pode. Não está fácil para ninguém…
Então, no intuito de buscar soluções viáveis para a questão que se apresenta, o que os representantes do povo fazem?! Reúnem-se, é claro, para trocar ideias. Mas não de uma maneira qualquer; para começar é preciso uma sede grande e confortável para atender aos gostos e necessidades de conforto daqueles que executarão tão árdua tarefa, de preferência bem longe do problema a ser resolvido para não haver nenhum transtorno.
Como o caso é grave, é preciso trazer estrangeiros para dar um ar de credibilidade e tornar a chegada e saída do seminário um show à parte para a imprensa, criando uma imagem de sucesso ao mesmo tempo que as críticas de que nada é resolvido e sobre o gasto excessivo e desnecessário do dinheiro público com supérfluos, são rebatidas. As questões são sempre dadas como resolvidas, maquiando a situação ao máximo pelos interessados.

Mas eis que a população, digo… o volume de ratos aumentou muito a ponto de estes engolirem aqueles que tentavam a todo o custo sair por cima do problema e manterem-se distantes. Ou poderíamos dizer que o polo do poder se tornou tão atrativo que o número de ratos aumentou a um nível tal, que saiu fora de controlo e varreu o que tinha pela frente, tomando o lugar dos que estavam ali antes…? Seja como for, é apenas ficção.
Lançado em 1977 pela escritora brasileira nascida em São Paulo, Lygia Fagundes da Silva Telles, a coletânea de contos da autora (que traz o mesmo nome do conto) é de grande sucesso até hoje. Pelas informações dadas durante o diálogo, podemos deduzir que a história se passa no Brasil, na cidade de São Paulo, em plena ditadura militar (atenção ao ano de publicação), então citar repressão política é chover no molhado, assim como descaso, desmandos, e por aí fora.
Só deixando claro que esse tipo de conduta não é exclusivo desse período da história nacional, mas é o que estava mais em voga naqueles anos. Imaginem só, um problema que assola o país inteiro crescendo sem perspetivas de melhoria, demandando soluções e nada sendo feito pela parte responsável, como lidar? Melhora nas condições de vida, freio para uma corrupção que corre solta, veneno para ratos?
Recomendo muito que conheçam este conto de mais uma autora nacional que me ganhou já na primeira experiência. Boas leituras!
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Conhece-te, no âmbito da parceria com OBarrete. Este texto foi também publicado em formato físico na edição 251 da Revista
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One thought on ““Seminário dos Ratos”: Ratoeira social”