Depois de “Joker” (2019), o ator Joaquin Phoenix protagoniza um filme que está longe de ser uma piada. Com uma atitude esperançosa para com a humanidade, “C’mon C’mon” é um drama com contornos cómicos que explora matérias complexas como a paternidade e a roda das emoções. Sempre de forma inquisitiva e curiosa, a narrativa coloca inúmeras questões sobre o futuro, sentimentos e relações interpessoais. Não fosse a abordagem lírica e peculiar da escrita do realizador e argumentista Mike Mills, a pieguice podia ser a sensação dominante. Na sua forma atual, o autor elabora diálogos de primeira linha e estabelece o ambiente ideal para a troca de impressões entre os atores.
Phoenix é Johnny, um jornalista de rádio que percorre Detroit em busca do testemunho de crianças sobre vários aspetos da vida e do mundo, inclusive as suas experiências e expetativas. Fora de serviço, tem uma irmã afastada, chamada Viv (Gaby Hoffmann), e um pequeno e bizarro sobrinho de seu nome Jesse (Woody Norman, numa interpretação sobredotada). Um raro telefonema com a sua irmã leva-o a viajar até Los Angeles para cuidar do jovem, pois Viv precisa de dar assistência ao pai de Jesse, Paul (Scoot McNairy), que está a lidar com sérios problemas de saúde mental.

No início Viv mostra-se reticente em deixar o seu filho com o tio, sendo ele um homem solteiro e inexperiente com crianças. Para não falar dos gostos excêntricos de Jesse, que envolvem, por exemplo, interpretar o papel de órfão e pesquisar teorias da conspiração na Internet. No entanto, a necessidade fala mais alto e Johnny assume o papel com devoção.
O laço afetivo que se desenvolve em diante preenche o núcleo emocional da narrativa e é o principal triunfo de “C’mon C’mon”. Johnny é apanhado desprevenido pela sagacidade das questões de Jesse, como “Porquê que não és casado?” ou “O que é normal?“. No processo, as maravilhas e os desafios da parentalidade são examinados de forma holística e honesta, sem descartar perspetivas.
Esticando o tópico, é impossível não realçar a espontaneidade com que Phoenix e Norman contracenam. Para lá da compostura, Johnny é uma personagem que carrega o subconsciente pesado. Joaquin Phoenix, por via das reações às perguntas e comportamentos do seu parceiro, enaltece o subtexto do argumento. Em concordância, Woody Norman demonstra ambivalência de estados de espírito sem quebrar a personagem. Consegue estar a par e passo com Phoenix e até destacar-se em certos momentos. Haverá melhor elogio? Não creio. Mas importa também sublinhar a interpretação de Gaby Hoffmann, que no papel de mãe mentalmente esgotada transparece a sua personalidade quase exclusivamente através de chamadas telefónicas.

A suportar os recursos humanos em frente à câmara, assim como o tom da obra, está uma belíssima fotografia monocromática, límpida, cortesia do diretor de fotografia Robbie Ryan. A opção estética confere aos planos uma certa intemporalidade e contribui também para a matiz de emoções disposta na tela. Isto é, a subtração da cor aumenta a concentração no conflito interior e nas vicissitudes das personagens. Funcionou como intensificador num filme que prima pela gentileza dos seus ideais.
Pese embora a realização de Mike Mills torne a jornada exploratória bastante intrínseca e coesa, o ritmo da primeira metade da história peca por ser demasiado vagaroso. Os excertos das entrevistas aos jovens, que lhe atribuem uma qualidade documental, contribuem para este efeito. Por um lado acrescentam uma camada à densidade do enredo, por outro, distraem e fazem acumular mais tempo do que era necessário para cumprir o propósito. A fechar os aspetos menos positivos, a complacência que está disseminada pela narrativa retira-lhe, naturalmente, alguma da carga dramática que fazia falta ao ponto alto do conflito.
Nada que impeça o monólogo final de Johnny de me levar às lágrimas. O culminar emotivo de um enredo que subtilmente teceu personagens cuja companhia e inquietações assimilei com extraordinária leveza e investimento.
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