Hoje um consagrado realizador, Alejandro González Iñárritu apresenta, na sua primeira longa-metragem, uma incrível e forte história de fazer revirar o estômago de quem é um pouco meigo. Falo de “Amor Cão” (em mexicano “Amores Perros”), com 2h34 minutos, um drama crime convincente com os atores Goya Toledo, Jorge Salinas, Emilio Echevarria, Gael García Bernal, Vanessa Bauche, Marco Pérez, Humberto Busto, Rosa María Bianchi, entre outros. Três núcleos de personagens, que num primeiro momento parecem não ter nada em comum, chocarão num acidente automobilístico gravíssimo pelas ruas de uma cidade mexicana e logo na abertura as cenas de perseguição e os disparos de armas de fogo deixam entrever fortíssimas emoções.
Numa luta clandestina de cães, Octavio (interpretado por Gael García Bernal) vem ganho reiteradamente e assim leva dinheiro para casa. Apaixonado pela cunhada e entremeando sentimentos de amor e ódio com o irmão Ramiro, planeja uma fuga com a maltratada Susana, que mora de favor na casa da sogra e que fica a saber estar grávida do segundo filho. Miséria pouca é bobagem.
Ramiro faz o tipo bandidão, trabalhando como atendente de supermercado e assaltando farmácias na companhia dos comparsas, assumindo os riscos desta vida torta. Num ambiente de extrema pobreza, a família vai se ajeitando. Octavio tem um lado destemperado, mas ao mesmo tempo doce e preocupado com Susana, juntando dinheiro e intentando uma nova vida. Fia-se no cão que lhe está a garantir vitórias e dinheiro. Mas rixas vão se formando e pelo meio da narrativa entendemos o motivo da perseguição a tiros na tresloucada corrida.

Um executivo de revista convive com a mulher e com as suas duas filhas num casamento morno e chato. Valeria (interpretada por Goya Toledo) é a louraça de fechar quarteirão. Linda e sensual, está nos media e aparece num programa de televisão, apresentando o seu namorado de fachada. O seu caso real é com este executivo, que inclusive aluga um apartamento arriscando uma nova vida, embriagado de paixão. Valeria não se desgarra do seu cachorrinho e nutre por ele uma paixão maternal. Vítima do acidente, sofrerá toda espécie de derrocada na sua via-crúcis existencial. Num prédio em frente ao seu, como uma espécie de provocação ao efémero, um banner publicitário gigantesco mostra as suas lindas pernas.
Um catador de papel e quase invisível pela sua condição social, rodeado de cães de rua e nada afeito à limpeza pessoal, El Chivo (interpretado por Echevarria) esconde a sua faceta de assassino por encomenda. Realmente, a sua condição de quase mendigo serve de disfarce perfeito para a prática dos crimes, e ficamos surpreendidos com a enorme devoção que ele dedica aos seus fiéis companheiros, os cães. Todo homem tem um passado, e assim é com ele, que vê a sua filha crescer de longe, sendo alertado pela cunhada a não se revelar.
No acidente, enquanto seguia o rastro da sua próxima vítima, é que ele recuperará o cão ferido de Octavio (na verdade quase morto) e só amor, carinho e dedicação para fazer com que o animal recupere. E milagre, ele recupera! A irracionalidade canina apresenta-se mais à frente num desfecho chocante e os destinos de todos os personagens sofrem ruturas e revelações interessantes.

Enquanto Ramiro é abatido e morto num ousado assalto a um banco, o seu irmão acredita que terá portas abertas com a cunhada, mas ela ignora-o solenemente e não aparece para a viagem de fuga no autocarro combinado. A cena em que Valeria vê o banner retirado (toda a campanha promocional tem um prazo estipulado) quase nos faz entender que toda a suposta glória é efémera, sendo que o assassino deixa o seu contratante e a sua frustrada vítima a resolverem as suas diferenças, resolvendo ele tomar um banho e fazer a barba, cortar o cabelo, e observamos o renascer de um homem, que deixa pistas e dinheiro na casa da filha, antes de partir em direção ao nada.
No fim de “Amores perros”, com a observância de que amores entre humanos se podem tornar brutos e inconsequentes, com posições pessoais de autoafirmação para sobreviver na selva de pedra, com rinhas e disputas, a única perenidade observada é no amor devotado aos cães, como se a estes tivessem sido poupados os dissabores existenciais, até pelos motivos óbvios, de serem irracionais, mas julgando atitudes passionais e arriscadas, entendemos que razão e paixão seguem trilhas opostas na condução de vidas não muito refletidas.
Atuações excecionais, argumento muito bem elaborado por Guillermo Arriaga, é o tipo de filme que não dá para assistir a comer pipocas e a beber refrigerante. A sua atenção deve necessariamente estar na tela e deixo a sugestão para a plataforma Netflix Brasil que nos oferece essa possibilidade.
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