Mais uma vez, o cinema argentino nos brinda com uma excelente história. “Crimes de Família“, título em português, está disponível na Netflix Brasil e é um drama muito bem construído. Realizado por Sebastián Schindel, escrito também pelo cineasta na companhia de Pablo del Teso, tem no elenco nomes como os de Cecilia Roth, Miguel Angel Sola, Sofía Gala, Yanina Ávila, Benjamín Amadeo, Paola Barrientos ou Diego Cremonesi. A película de 1h39min lançada no ano passado narra-nos a história de uma mãe (Alicia) às voltas com advogados para tentar a libertar o seu filho, Daniel, que está detido, acusado de estuprar a ex-mulher.
Num tribunal de apelação, o celerado quase convence: diz-se arrependido de ter atendido ao apelo da mulher, Marcela, para ver o filho e que tudo não passou de uma cilada. Daniel tem um histórico com o uso de entorpecentes e é um empresário relapso e falido, que não conta com o respeito de ninguém. Volta a ser preso e a mãe, contrária ao austero pai Ignacio, resolve tentar a sorte com um advogado criminalista de renome, que cobrará o montante de 400 mil para interferir no processo. É um destes advogados que sabem trabalhar nos bastidores, com juízes, promotores e policiais. É bastante respeitado por isso.

Quando Alicia pergunta se a moeda era o peso argentino, fica a saber que era o dólar e a dizer que envolverá uma fortuna. Conhecem daquele provérbio que afirma que “Quanto mais culpado, melhor o advogado“? Mas amor de mãe não tem limites, pois não?
Alicia mostra-se uma boa patroa. Tanto é assim que cria o filhinho da sua empregada doméstica Gladys Pereyra, que é uma moça simplória e que nem falar direito sabe. Vinda do interior, chegou a Buenos Aires e foi admitida na casa da patroa, e a sua vida resume-se apenas a isso. Guarda um segredo de uma gravidez e aos poucos vamos descobrindo o motivo de ela ser detida, com flashbacks ao longo da narrativa que nos oferecem cenas aterrorizantes.
Mas quem foi a vítima da tão simplória empregada? O casal de patrões desgasta-se num relacionamento que já havia acabado, e Ignacio parece perceber que o filho detido não era de bom caráter. Anuncia a separação amigável e aos poucos a esposa vai se apercebendo de toda a maldade do filho, que é acusado de mais um crime vil relacionado com a deprimente situação de Gladys.

Um suspense que nos prende do começo ao fim, com excelentes atuações e a convicção de que o cinema argentino tem muito a oferecer no campo cultural da América Latina. Das discussões morais e éticas do filme, como homem fiquei a imaginar o quanto as mulheres são criminalizadas por atos bárbaros e que, na maioria das vezes, são solenemente abandonadas com os frutos do pecado enquanto os homens saem a passear como se nada houvesse acontecido.
A depressão pós-parto, essa chaga feminina e por vezes bastante incompreendida, aponta para vários abandonos e bebés encontrados em caixotes do lixo, mas, antes de julgarmos, seria conveniente investigarmos o calvário de muitas delas. Neste ponto, sou feminista até não poder mais, pois o abandono é um dos crimes mais vis de quem se propôs a estar ao lado.
Um filme comovente e comovido, uma história reflexiva e triste, e a constatação de uma mãe acerca do seu filho ser uma pessoa sem carácter, inclusive Alicia cresce muito ao longo da trama com a sua balança moral. Memorável!
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