de mau a pior #1
Por esta altura, Cláudio Ramos, apresentador de televisão, é uma figura conhecida do espectro nacional, quer se goste ou não. A minha geração lembrar-se-á do programa Ólho Video, principalmente graças aos conteúdos divertidos criados por amadores, algo feito e popularizado antes do Youtube. Claúdio Ramos, mais tarde, estabelecer-se-ia como host de programas da manhã e da tarde. Curiosamente, o apresentador também é escritor. Mais recentemente, lançou livros autobiográficos e de culinária. Contudo, a atenção deste texto cai sobre o seu romance “Geneticamente Fúteis”, uma espécie de policial no mundo dos famosos publicado em 2008 pela Esfera dos Livros.
A narrativa centra-se inicialmente no cronista Paulo Bastos, morto nos primeiros capítulos, que publica uma crónica em que promete revelar os segredos mais negros de algumas celebridades do meio mediático nacional. “Conto tudo porque estou farto desta gente hipócrita que vive no luxo rodeada de mentiras e a enganar os pobres de espírito deste Portugal dos pequenitos.”
A partir daqui entram em cena Teresa Campos, diretora da revista Rostos; Marta Barros, empregada de uma loja de roupa que faz de tudo para subir na vida; Alexandra Drummond, lésbica e rica que trabalha como relações-públicas; Helga Carvalhosa, aspirante a modelo com o objetivo de aparecer nas capas de revista; e Bibi Galvão, a mais famosa tia de Portugal, graças ao ex-marido, que se encontra à beira da decadência. Pelos vistos, a história do assassinato de Paulo Bastos desenrola-se à volta destas mulheres. Alfredo Rocha, inspetor da polícia, tem a difícil tarefa de descobrir o assassino.
“O objetivo dele é que se fique a comentar a atitude que teve, que se perca tempo a falar dele e da sua maneira de ser e estar. A maioria destes gays que pertence ao mundo mediático dá literalmente o cu e oito tostões para ser conversa.“

Não vale a pena analisar com detalhe o romance, pois a narrativa é muito superficial. As personagens e as suas atitudes são igualmente superficiais com diálogos básicos e banais. Apesar da fútil tentativa de englobar uma crítica à sociedade mediática em Portugal, em nada melhora a narrativa. Existe uma brutal falta de imaginação logo no começo dos capítulos, ou Lisboa anoitece ou Lisboa amanhece. Depois da primeira frase, apenas encontramos uma fraca escrita centrada em dizer mal de algumas personalidades (que possivelmente rodeiam Cláudio Ramos).
O inexistente talento e imaginação é gritante a cada página. Só para dar alguns exemplos: a tia mais conhecida de Portugal (Lili Caneças) chama-se, no romance, Bibi; a loja de móveis (Moviflor) é a Maivoflores; a revista cor-de-rosa mais conceituada (Caras) é a Rostos; o colecionador com exposição no CCB chama-se Moe Bernardo (referência ao empresário Joe Berardo). Podia estar nisto o dia inteiro…
Já para não falar de que de policial o romance tem muito pouco: o assassino, surpreendentemente, só surge como suspeito cerca de dez páginas antes do final do livro. A única maneira de ninguém descobrir, pois o enredo é uma desmonstração da falta de capacidade de Cláudio Ramos para escrever uma história que consiga prender o leitor nas suas palavras.
Em suma, “Geneticamente Fúteis” é um fracasso de capa a capa, obviamente. Este pseudo-autor falha por completo em escrever uma narrativa com algum tipo de profundidade. A vulgaridade encontrada nos diálogos, a falta de imaginação na construção de um cenário fictício, a fraca qualidade das personagens, e até a inexistente presença de elementos do género policial fazem deste romance um livro a ser agressivamente evitado. Numa nota à parte, isto é um triste exemplo de como uma editora é capaz de convidar uma figura mediática a escrever um livro, ignorando pessoas com talento intrínseco para se tornarem escritoras.
Esta crítica faz parte da série “de mau a pior”, um projeto de João Filipe, cuja visão consta na busca da pior obra nos diferentes contextos, quer seja literário, cinematográfico ou musical, mantendo sempre a seriedade de uma análise minuciosa. Quer sejam trabalhos notáveis com uma crítica negativa por parte de profissionais e grande público, quer sejam más experiências pessoais, todas estão aptas de entrar na série. Se porventura o leitor tiver alguma recomendação que gostasse de ver esmiuçada aqui no site, basta deixá-la nos comentários.
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