“Buster’s Mal Heart” (2016) conta a história de Buster (Rami Malek), um homem perturbado que, em fuga às autoridades, relembra acontecimentos misteriosos, assim como o estranho vagabundo, que causaram a sua transformação invulgar. O filme tem uma elevada riqueza contemplativa, para além de toda a sua diversidade de géneros; mas o que é mais fascinante nesta longa-metragem é, sem dúvida, a sua complexidade e a forma como consegue estruturar a sua narrativa, para apenas espectadores verdadeiramente competentes.
A forma como o nosso personagem principal se aventura numa viagem, acima de tudo, interior, é verdadeiramente fascinante do início ao fim. Buster vive em conflito permanente, num emprego que não lhe dá a devida a estabilidade, quer financeira, quer mental. A sua família, Marty (Kate Lyn Sheil) e Roxie (Sukha Belle Potter) — esposa e filha, respetivamente —, vivem consigo na casa dos sogros, o que por si só adensa um pouco o descontentamento de Buster. Apesar de Marty querer, efetivamente, uma vida diferente, num apartamento só deles, o seu marido tem uma visão muito mais pessimista e negacionista da realidade: para ele, pagar uma renda é enterrar-se no ‘sistema’ económico, sem retorno.
A interpretação de Rami Malek é verdadeiramente sublime: além da personagem assentar que nem uma luva no ator, a forma viva com que se consegue entranhar nesta pessoa revoltada com o seu mundo exterior é um dos aspetos mais aliciantes na forma como “Buster’s Mal Heart” consegue, efetivamente, tocar o espectador.

Certo dia, e uma vez que o trabalho de Buster consiste em fazer o turno da noite na receção de um hotel, o seu chefe, ciente de que o seu empregado passava realmente pouco tempo com a sua família, convida-os a passar, sem custos, um fim-de-semana no hotel. Durante essa estadia, Buster é abordado por um indivíduo, especialista informático, que o alerta para um restauro da vida como a conhecemos, na entrada para o ano 2000.
A partir desse momento, Buster, que já estava bastante aprofundado na ideia de ser um renegado perante o mundo económico e social dito normal, fica verdadeiramente obcecado. Após uma tragédia na sua família, Buster decide fugir e tornar-se um autêntico sem abrigo, conhecido à escala mundial, que vai pernoitando em casas de férias desabitadas.
O argumento desta obra pertence a Sarah Adina Smith – também ela realizadora –, e é imensamente rico e bem estruturado. Vai deambulando entre o passado, o presente e o futuro do personagem, num trio temporal que abrilhanta, e de que maneira, a fruição da intelectualidade sui generis deste “Buster’s Mal Heart”.
Outra dinâmica muito interessante é a forma como este filme consegue, através da nossa personagem central, levantar questões sobre o fundamento da nossa vida e sobre até que ponto não somos escravos de um sistema económico que apenas nos aprisiona e nos limita, ou invés de nos permitir crescer, económica e socialmente, enquanto indivíduos.

Perante esta decisão, à primeira vista absurda, de Buster se aventurar sozinho por uma vida materialmente sem nada, a verdade é que ele se vai conseguindo libertar cada vez mais da prisão em que sentia estar inserido e ser, finalmente, livre. A liberdade em que o filme toca é, também ela, uma das grandes mensagens: concretamente, que muitas vezes, para nos sentirmos felizes e realizados, temos de contrariar o politicamente correto e assumir quem verdadeiramente somos, mesmo que isso nos afaste de muita gente.
Por todos estes motivos, “Buster’s Mal Heart” é um filme extremamente completo e complexo e, dentro da sua esfera obscura, altamente gostável. Uma obra a não perder, sobretudo se dramas intensos acompanhados de um certo terror psicológico for aprazível. Em resumo, uma metáfora perfeita do mundo (material) em que vivemos.
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