A novela “Albert Savarus” (Editora Biblioteca Azul, 144 páginas) é reveladora. Certamente não é um dos melhores livros do escritor Honoré de Balzac (1799-1850), mas lá tem os seus encantos. A história passa-se em Besançon, cidade a leste de Paris que fica acerca de 400 quilómetros da capital. Curioso, procurei saber a atualidade desta e fiquei a par de se tratar de uma província com cerca de 110 mil habitantes, e identifiquei-me pelo facto de residir numa província de Minas Gerais com aproximadamente este número de pessoas. O olhar debochado e irónico de Balzac caiu como uma luva para que eu fizesse a analogia entre o passado e o presente, entre a Besançon e a vila na qual moro.
Alberto Savarus é o nome de um advogado forasteiro que chega a Besançon e, misterioso, consegue chamar mais a atenção pela sua exacerbada discrição em oposição a uma postura mais mediática. Ganha importantes causas no tribunal e o seu nome começa a ser ventilado como sendo o de uma importante figura.
Rosália de Watteville é uma rapariga de 18 anos espevitada. Prometida a Amadeu de Soulas, até ali visto como um bom partido aos olhos da fina sociedade local, ela não lhe devota amor e propõe-se a descobrir o mistério do advogado forasteiro. O certo é que com a chegada deste, Amadeu de Soulas ficou eclipsado, inclusive no facto de ser um rapaz viajado, tendo ido algumas vezes a Paris e inclusive uma vez a Inglaterra. Resumindo: o total de likes do seu Facebook certamente ficaria inferior ao do senhor Alberto.

Aos poucos, este começa a imiscuir-se na vida dos habitantes, sempre escolhendo os ‘figurões’, contando com a sincera amizade do abade de Grancey, e mostrando que desejava trazer luzes da capital para a província, pede o financiamento aos comerciantes para uma revista que mostraria Besançon ao mundo, pelo menos o mundo ao redor. Ele logra êxitos e inclusive escreve uma novela em capítulos, dando uma carga dramática e apaixonada à trama. Essa novela, publicada na íntegra no livro, funciona maravilhosamente bem, sendo um livro dentro de um livro.
Aqui aparecem indícios fortíssimos que comprovam a autobiografia do autor. Balzac escreveu várias das suas obras em jornais e revistas das quais ele mesmo era o editor, metido com o seu grandiloquente e azarado negócio das gráficas. Sempre foi um advogado muito mau (ainda bem), pois assim sobrava talento para o ofício mais sublime e que o imortalizou: a escrita. A novela publicada no romance é sofrível, mas prende-nos a atenção. A publicação logra 150 assinaturas na província e é uma sensação. “Revue de L’ Est” é o nome da publicação.
Enquanto Rosália monta diversos ardis para se aproximar de Alberto, fica a saber que o seu coração já tinha dono e que estava endereçado a uma rica condessa que vivia em Itália. Ela somou 2 + 2 e chegou à conclusão de que aquela novela escrita por ele era a própria história do escritor. Surripia as correspondências dele e da amada e começa a tramar encontros, apelando ao abade e propondo bailes à sua mãe, uma senhora bonita na casa dos 38 anos. O ardil de Alberto é outro: agora que promoveu a revista e tem o apoio de algumas figuras importantes da zona, é chegada a hora de almejar a carreira de deputado, e friamente vai montando a sua estratégia.
Como é resoluto e obstinado, altamente concentrado, vai compondo com os pares e não se quer chatear com o prefeito de uma província vizinha, numa causa de tribunal onde a família Watteville, sugere uma demanda por posse de terras. O pai de Rosália sabe de antemão que estas foram usurpadas no passado e não deseja levar adiante. Contudo, a intrépida rapariga é que ajeita as coisas como um álibi, numa maneira de estar próxima ao concorrido candidato a deputado, redator de revista e advogado. Aqui cabe um outro traço biográfico de Balzac: ele tentou tramar uma candidatura a deputado, mas a coisa não obteve êxito da mesma forma que muitos dos seus projetos.

A novela apresenta um final surpreendente, mostrando que a obsessão de uma mente jovem pode derrubar a história de um homem, sendo o próprio final triste e trágico. No enredo, somos apresentados a sentenças engraçadíssimas, tais as conjeturas de Rosália acerca da amada distante do pretendido:
“Essa mulher, aliás, não ama. As artes, as ciências, as letras, o canto, a música tomaram-lhe a metade dos seus sentimentos e da sua inteligência. De resto, é velha, tem mais de trinta anos e o meu Alberto seria infeliz!“
Dando ares de herói a Alberto (ou seria a ele mesmo?), Balzac escreve:
“Após dezoito meses de trabalho subterrâneo, esse ambicioso conseguira, pois, na mais imóvel cidade da França e a mais refratária aos estranhos, agitá-la profundamente e fazer ali, segundo uma expressão vulgar, a chuva e o bom tempo, exercer uma influência positiva sem nunca ter saído de casa. Resolvera o problema singular de ser poderoso sem popularidade.“
Aconselhando editores de revistas culturais, sai-se com esta:
“Não tínhamos novelas, e uma revista sem novelas é uma bela sem cabelos.“
Dá um conselho útil:
“Mas não se consuma demasiado nos trabalhos da ambição, conserve-se moço… Dizem que a política faz envelhecer prematuramente.“
E dá uma estocada nos suíços:
“Mal se encosta num suíço, surge o usurário.“
Enfim, foram várias outras pérolas que destaquei e a saber que fico muito feliz de Balzac se ter dado mal nos seus tresloucados projetos, pois assim sendo, transformou-se naquilo pelo qual é consagrado: o seu competente estilo de escritor, esse psicólogo das almas e dos dramas. Gostei demasiado do livro, mais um capítulo desta grande “Comédia Humana“.
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