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Porque A Arte Somos Nós

A película “Lykke-Per”, em português “Um Homem de Sorte“, do realizador Bille August, conta com os atores Esben Smed, Katrine Greis-Rosenthal, Julie Christiansen, Tommy Kenter, Benjamin Kitter, Rasmus Bjerg, Tammi Øst, entre outros. Com aproximadamente duas horas e quarenta minutos de filme, este trabalho lançado em 2018, coincidentemente no dia do meu aniversário, 20 de agosto, é de emocionar. Este encontra-se disponível na Netflix brasileira.

“Lykke-Per” narra a história do jovem ambicioso e visionário que dá título à longa-metragem, Lykke-Per, que no interior da Dinamarca sonha em ser engenheiro para dar vazão aos seus delirantes e inovadores projetos. Com muito esforço, consegue matricular-se numa universidade de Copenhaga e já na despedida ficamos a conhecer a difícil e complicada relação que mantinha com os seus pais. O pai, um austero clérigo que entendia ser incompatível a relação entre a fé e a ciência, e a mãe que apenas se submetia às suas vontades.

Tem também um irmão clérigo e parece que o pai fica contrariado com a vontade de Per deixar a região. Palavras duras que culminam numa bofetada e a sentença de que ao filho não caberia mais parte do dinheiro a que teria direito, mas, simbolicamente, o pai oferece um relógio passado de geração em geração. Contudo, o filho desdenha este gesto simbólico. Sai chateado com todos, exceto com a sua mãe que lhe arranja um desjejum para a viagem.

Lykke-Per (Esben Smed)

O alimento que sustenta o aluno de Engenharia é o orgulho. Aluga um quarto na pensão e sobrevive comendo as sobras dos trabalhos em restaurantes em que se oferece esporadicamente. Conhece a garçonette que lhe oferece sexo, alimento e algum dinheiro emprestado, mas desde cedo dá para perceber que, dotado de psicopatia, apenas usa as pessoas em seu próprio interesse. Vem aí a desmedida.

Nas aulas, divaga sobre grandiosos projetos futuros (estamos no início do século XX), mas é genial ao perceber que as fontes limpas de energia poderiam ser melhor aproveitadas (ondas do mar e energia eólica) e num momento atual em que as grandes nações do planeta já discutem essas fontes renováveis e limpas de energia, e que os automóveis a gasolina sairão de circulação em 2030, dá para perceber essa antevisão.

Aluno ainda, já realiza os seus projetos e necessita agora de um padrinho rico que faça com que as coisas caminhem. Aquela velha noção do padrinho que indica alguém e determinado projeto para a coisa andar. Com vil interesse, aproxima-se de um bondoso e rico herdeiro Phillip Salomon e feita a amizade, é introduzido no círculo de uma das mais ricas famílias judias da Dinamarca que tinha os contatos.

Consegue dinheiro emprestado, audiências e ainda encontra tempo para flertar com as duas irmãs do amigo, sendo que surpreendentemente, casa com a irmã mais velha, que desmancha o noivado com um rico viúvo de uma tradicional família judia também e, embora conheça os costumes da época, morri a rir com o pedido deste viúvo falando do estado do seu coração ao pai.

“Lykke-Per” (2018)

A soberba aparece com veemência no coração e atitudes do jovem engenheiro. Se contrariado, ataca com grosseria e é dessa maneira que se indispõe com um ‘figurão’ do Ministério, que lhe veta o projeto. A resposta negativa só pode ser de um velho decrépito com ideias retrógradas e pouco afeito ao novo. Nem num arranjo para uma reaproximação, onde bastaria ele pedir desculpa ao senhor, ele se emenda. Ao contrário, ofende-o mais. Tão diplomático quanto um elefante numa sala de cristais!

Se Copenhaga é grande em comparação à sua antiga morada, é pequena em comparação a outros grandes centros e, assim sendo, financiam para o nosso engenheiro uma estadia na Áustria, onde fica sob a tutela de um renomado professor que consegue domar um pouco as manias de grandeza do nosso personagem.

Um belo noivado, promessas de um futuro glorioso e outros eventos parecem não satisfazer de todo Per. Voltando-se para si mesmo compreende os seus traumas quando após fazer amor num piquenique com a sua noiva, arremete furiosamente pedras contra um crucifixo e ao ouvir sinos de igreja parece que a sua cabeça estava a ser atordoada dentro do próprio sino. Está aí um caso em que a rigidez religiosa provoca um efeito contrário, neste caso o de um ateísmo vingativo e que parece (tenho quase certeza) odiar o pai e renegar toda a sua família. Ao mesmo tempo, sente-se desterrado, sem correspondência com os seus mais íntimos anseios.

Katrine Greis-Rosenthal (Jakobe Salomon) e Lykke-Per (Esben Smed)

Nesse tumultuado diálogo interno, chega quase às raias da loucura, até que um reencontro com a sua esquelética mãe muda o rumo dos seus dilemas. Retorna à Dinamarca, sabe da morte do pai e nem ‘dá bola’. Visita a mãe que está temporariamente num cortiço de Copenhaga e apenas lhe pode oferecer água da torneira. Duro e inflexível, rejeita mais uma vez o relógio do pai e só lhe dá um estalo quando fica a saber do perecimento dela, surpreendentemente assumindo a incumbência de levá-la para ser enterrada na sua região.

No navio, a sós com o caixão, ele parece dialogar numa conversa introspetiva que lhe alterará o rumo. Pois é chegando à região, sentindo a força da natureza em todo o seu esplendor (os cenários e a fotografia de “Lykke Per” são exemplares) que ele encontrará a chave que lhe diz que o seu lugar era ali.

Embora pusilânime em quase todas as suas atitudes, é forçoso dizer que a autenticidade do rapaz é notável. Não tem melindres para desfazer o noivado com a rica mulher judia que ficara na capital, por mais ambicioso e sedento de dinheiro que fosse, consegue encontrar a sua riqueza ali, na certeza de que os seus projetos estavam certos, e que apenas as mentes limítrofes da Dinamarca não haviam percebido isso ainda. Um drama pessoal acontece no fim e o reencontro dos agora amigos Per com a sua ex-noiva é revelador, pois ele agora tenta apenas não ser o pai odioso que se espelha em si próprio.

Um filme encantador, reflexivo, pujante e com várias características psicológicas no que toca a nos conhecermos a nós próprios e às pessoas que nos rodeiam.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 4 out of 4.

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