“Contratiempo”, filme espanhol de 2016, é produzido por Oriol Paulo, com os atores Mario Casas, Bárbara Lennie, José Coronado e Ana Wagener. Com uma duração de aproximadamente 1h50min, este suspense policial irá deixar o espetador pregado ao sofá, sem piscar os olhos. Esta longa-metragem está disponível na Netflix.
Um jovem empresário de uma empresa tecnológica (Adrián Doria) parecia ter feito um pacto com o sucesso: a sua vida profissional está de vento em popa e acaba de ser condecorado com a distinção de Empresário do Ano. Tem uma esposa bonita e uma filha linda. Contudo, este está a ser acusado de assassinato da amante num enredo cheio de factos surpreendentes. A primeira cena mostra a advogada de defesa a deslocar-se ao seu quarto, transformado em quartel general, de forma a prepará-lo para a audiência com o juiz e o promotor. Prestem atenção a esta advogada.
Tudo (ou quase tudo) que iremos acompanhar é a versão apresentada pelo réu, sendo que Laura, a sua amante, é apresentada como a femme fatale. Do que até aquele momento era um caso de adultério muito bem escondido, complica-se quando eles atropelam um cervo numa estrada de uma pequena cidade próxima de Barcelona e acabam envolvidos num acidente com uma vítima fatal – um jovem que trabalhava num banco. As decisões devem ser tomadas rapidamente, tudo de forma a esconderem os seus paradeiros, pois Adrián havia dito à esposa que estava em Paris.

A partir daí, ficamos à mercê da agilidade das cenas e, de tudo o que percebemos, uma mentira pode acarretar muitas outras logo a seguir, como se estas fossem um porta-guardanapos que, ao puxar um, sai sempre outro. Um mecânico que mora ali perto, Tomás Garrido (brilhantemente interpretado por Coronado) presta auxílio à amante, pois o motor havia travado. Tensão e suspense quando Laura fica a saber que o filho acidentado era, por uma plausível coincidência devido à área limitada do lugar, filho do casal que a receciona.
O telemóvel da vítima que está com Laura quase deita tudo a perder, quando a mãe, incomodada com a ausência e demora do filho, liga insistentemente para os seus amigos e fica a saber que eles não estão juntos. O enredo vai-nos conduzindo e só em alguns momentos retorna às cenas do cliente com a sua advogada.
A dúvida era: estando os amantes num quarto de hotel a 300 quilómetros do lugar do acidente, chantageados por alguém que vira clandestinamente a batida e o desenrolar da situação, como poderia ter entrado no quarto um assassino se as janelas não fechavam ou abriam para fora, devido a uma norma do hotel? Só se entrava pela porta, e com as chaves entregues ao casal, era fácil chegar à conclusão lógica de que Adrián havia assassinado a amante. Mas a coisa parece bem mais confusa.
O desenrolar do enredo fez-me ganhar simpatia pelo empresário. Lembremos que 90% da película é mostrada a partir do seu depoimento. Os meus sentimentos foram de como um caso extraconjugal pode ser elevado à quarta potência de desencontros, confusões e sempre com o protagonista a deixar rastros em cada passo que dava. Fica a piedade para o pai mecânico e para a sua sofrida esposa, que investigarão por conta própria o desaparecimento do filho, uma vez que a polícia não quer investigar um crime sem corpo, e até pelo facto de terem lançado a notícia de que ele estava a desfalcar o banco onde trabalhava. Quem podia garantir que o jovem não houvera forjado o seu desaparecimento?

A advogada prepara o réu e este quase perde as estribeiras quando esta o acusa, testando-o para o confronto com um promotor duro. Adrián parece estar à beira de um ataque de nervos, pois não é fácil ver a sua vida ruir assim e a profissional pondera se, de repente, a versão de tudo o que aconteceu fosse outra, ainda quando do acidente. O flashback é estonteante e rápido, sendo que observamos por segundos várias dessas ações, invertendo apenas quem havia feito o quê.
Se o suspense é isso, este é o ponto chave da trama. Confesso que sou amador para analisar comportamentos, mas só por esta possibilidade atribuí a Adrián o epíteto de um grandíssimo filho da puta. Mas vamos lá: se o filme é de suspense, quem me garante que não poderia haver outras reviravoltas? E elas ocorrem. Numa espécie de jogo do gato e do rato, as revelações vão surgindo e um final surpreendente se apresenta, deixando-nos com aquela sensação de que nada é tão mau que não possa piorar.
“Contratiempo” é uma obra que fala sobre poder, interesses, disfarces, crimes e adultério. Move-se a partir de um caso que poderia ter continuado bem escondido, se o acaso (isto é, aventado por Adrián que entende que o atropelamento do cervo que levou ao acidente poderia ter sido evitado, se o casal não tivesse perdido tempo no hotel e se este não tivesse escolhido um caminho alternativo). Enfim, são coisas que ficam como dados a girar nas mãos dos Deuses gregos. Uma verdadeira lição de vida.
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