Disponível na Netflix, o filme “La dictadura perfecta”, do realizador Luis Estrada, que também assina o roteiro juntamente com Jaime Sampietro, é envelopado como uma comédia, mas, nas suas 2h23min revela-nos um drama pelo qual passam alguns cidadãos de democracias pouco robustas, notadamente na América Latina. Com os atores Damián Alcázar, Alfonso Herrera, Joaquín Cosío, Tony Dalton, Silvia Navarro, Saúl Lisazo ou Sonia Couch, este filme mexicano de 2014 revela os bastidores do mundo da política no seu relacionamento sórdido com os meios de comunicação, notadamente o principal canal de televisão do país.
Soa irónica a advertência de que a longa-metragem é uma mera obra de ficção e que qualquer semelhança com a vida real terá sido mera coincidência.
O bom do filme é que por muitos momentos somos levados a crer que estamos a assistir ao telejornal, com todo o esquema já consagrado pelo mundo fora: respeitabilidade do pivô com os cabelos brancos e sisudo, mas sem deixar de ser carismático; chamadas sensacionalistas e o vídeo inédito do Governador de uma província recebendo uma mala de dinheiro de um dos chefes do narcotráfico, em notória propina. Imaginem isso em rede nacional, no horário nobre. Decretaria a morte política do infeliz, mas não no México, afinal, ainda se leva em conta o direito à ampla defesa.

E uma reunião é agendada em regime de urgência, e uma mala de dinheiro oferecida como suborno é solenemente ignorada, sendo aceite apenas como donativo a uma Organização Não Governamental da TV. Conversa vai, conversa vem, é oferecida ao corrupto uma oportunidade de melhorar a sua imagem junto à opinião pública, sendo a agência um braço da TV. Acertam as bases e dois jornalistas serão escalados para a ignóbil missão.
Como a arte imita a vida e a vida imita a arte, e lembram-se do enunciado acima quando afirmei que o filme se assemelha em muitos momentos a estarmos a assistir a um noticiário da TV? Pois bem, acresce-se a isso a telenovela, com os seus atores canastrões e talvez os portugueses não saibam, mas novela mexicana é quase sinónimo de um grande drama e isso embala corações e mentes de um público domesticado. Somando-se novela e telejornal, tem-se o prato perfeito para o consumo idiota nosso de cada dia.
Pois bem, uma destas beldades da novela principal, coincidentemente, namora com um dos jornalistas que passam a acompanhar o Governador, e este, acreditem, é um fã de carteirinha da beldade e parece não perder um capítulo da trama. Para além disso, promove orgias regadas a bebida e mulheres seminuas, ostentando armas, amigos traficantes e tudo isso agora se deve manter no anonimato, enquanto elimina os seus adversários políticos com chantagens, compra de votos por interesses, chegando até a assassinar desafetos.
Assim sendo, o deputado do partido opositor que vocifera contra a corrupção deste, chega a ser paladino na tentativa de convencer a TV a conceder-lhe 10 minutos de entrevista em direto. Consegue, mas o desenrolar é surreal, pois aqui o feitiço vira-se contra o feiticeiro e a sordidez atinge níveis alarmantes. Dei grandes gargalhadas.

Numa paródia da vida real, somos apresentados a uma estratégia surrada de se promover uma determinada notícia sensacionalista para encobrir outra. O escândalo da mala cheia de dinheiro fica em segundo plano para um sequestro de duas raparigas gémeas que estavam a brincar num pátio do condomínio, vigiadas pela babysitter, que, num segundo de descuido, não deu conta do rapto. O drama chama a atenção da opinião pública, uma corrente do bem se forma e as vidas do pai e da mãe são vasculhadas pormenorizadamente em busca de “ranhuras”.
O Governador “comove-se” com o caso e diz que não poupará esforços na captura destas duas crianças. Somos levados a este núcleo mais popular, e agora os jornalistas apresentam reportagens que mais se assemelham a estes estúpidos “casos de família”. Dizer que são os mesmos jornalistas escalados para acompanharem o Governador. Já devem ter percebido o meu apreço pela televisão: mundo afora, acredito que o esquema entregue à massa seja o mesmo. Uma telenovela, um telejornal padrão, um caso de família e desculpem-me a brincadeira, se inserirem um Famalicão x Paços de Ferreira, aí sim é prato cheio.
O filme não poupa críticas e ficamos a saber dos jogos vis e de interesses, dos podres que perpassam os media e o poder, culminando num salto vertiginoso na projeção do Governador corrupto: termina como Presidente do México, e a isso a ficção parece dar lugar à realidade, basta analisar alguns figurões políticos em algumas Repúblicas das Bananas.
Um filme que entrega o que promete, levando o México a entrar no meu campo de observação cultural no que toca ao cinema, e acreditem, assistindo a “La Dictadura Perfecta”, não se assustem com algumas práticas. Sei que o Velho Continente já atingiu as Luzes há muito, mas em algumas regiões do planeta temos a nítida impressão de que a enorme distância é de anos, não quilómetros. Meus queridos portugueses, acreditem, em algumas partes do mundo ainda estamos em 1930. Peço desculpa aos adeptos das esquipas portuguesas citadas acima.
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!