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Porque A Arte Somos Nós

Uma das mais interessantes capacidades do cinema é conseguir mexer com os nossos sentimentos, proporcionando-nos momentos de reflexão que nos podem levar a ver as pessoas, o mundo que nos rodeia, ou até nós próprios, de maneira diferente! Quantos se identificam com uma película de cinema como uma referência na sua vida por este ou aquele motivo? Quantos mudaram a sua vida depois de visionarem um determinado filme? Quantos choraram depois de verem uma determinada cena no grande ecrã? Esta é uma das belezas do cinema, tocar nos nossos corações.

“Nebraska” é uma película do tipo road-movie realizada em 2013 por Alexander Payne, que optou por narrar a história a preto e branco com o objetivo, segundo o próprio, de tornar a narrativa mais pungente aproximando o espetador da mesma e ao mesmo tempo utilizar o poder da ausência de cor para realçar as paisagens que são uma constante ao longo do filme. A história não podia ser mais simples e ao mesmo tempo mais rica.

Bruce Dern (Woody Grant) e Will Forte (David Grant)

Simples porque falamos de um indivíduo que pretende deslocar-se a um determinado local para resgatar um suposto prémio que ganhou e, ao mesmo tempo, rica, pois mostra-nos um homem de idade avançada que corre atrás do sonho de ter dinheiro para comprar uma carrinha (vulgo Pick Up americana) e um compressor! Rica na relação humana, no sentimento, no amor, no sofrimento, no sonho que guia a vida.

O início do filme enquadra-nos logo na figura central da narrativa, Woody (Bruce Dern), um velho que vagueia na berma da auto estrada, que sendo resgatado por um polícia é levado para a esquadra onde mais tarde o seu filho David (Will Forte) o vai buscar. Quando David o questiona acerca desta loucura, Woody responde que tem que ir a Lincoln, Nebraska resgatar um prémio de um milhão de dólares que consta num folheto, que recebeu no correio, de uma empresa de assinantes de revistas que promovia um número da sorte ao qual seria atribuído o referido prémio.

Após sucessivas tentativas de Woody ir a pé até Lincoln, cerca de 1400 quilómetros, David decide fazer a vontade ao pai e ambos iniciam uma viagem a dois para que o velho homem verifique in loco o embuste do panfleto que guarda religiosamente consigo e que acredita valer o tal milhão de dólares.

Durante esta viagem muitas coisas vão acontecer até ambos visitarem o escritório da referida firma em Lincoln. A mais marcante para Woody será a visita à sua terra natal onde já não vai há muitos anos e onde lhe é proporcionado o encontro com os seus irmãos e com outras pessoas menos desejáveis.

Bruce Dern (Woody Grant) e June Squibb (Kate Grant)

É que a ideia que consta é a de que Woody é rico pois ganhou um milhão de dólares podendo-se daí deduzir o que aconteceu. Após a deceção de não ter o número premiado, ambos regressam à origem, Billings no Montana, mas não sem que David cumpra os sonhos do pai trocando o seu carro por uma Pick Up, registando-a em nome do pai, e comprando-lhe um compressor novo.

A forma como nos é apresentada a história é recheada de bons momentos de humor, pois o realizador procura transportar-nos ao longo da mesma de forma descontraída, no entanto, esta película é muito mais do que isso. A problemática da velhice e a forma como as pessoas idosas são aceites pela sociedade está bem presente, principalmente na predisposição que os próprios familiares têm para lidar com esta situação. A ilusão que está presente na cabeça de Woody impele-o a achar possível encetar tal jornada com o objetivo de atingir algo em que ele acredita ser verdade, encontrando no seu filho David o facilitador para que o objetivo seja atingido, mesmo sem prémio!

Aqui inicia-se uma jornada de aproximação entre pai e filho ficando bem presente o sentimento existente entre ambos, ainda que não o demonstrem de forma clara e assumida. A ganância de quem acha que o velho homem é rico, familiares e outros, aproveitando para esgrimir argumentos sem pés nem cabeça atrás de alguns dólares. A imagem de uma América profunda e abandonada, onde quase só os velhos sobrevivem.

Bruce Dern (Woody Grant) e Will Forte (David Grant)

Tecnicamente o filme é muito bem construído e o efeito do preto e branco é fantástico no seu jogo de luz e paisagens magníficas, potenciando a mensagem e a envolvência na narrativa. O desempenho de Bruce Dern é absolutamente irrepreensível. O ator transmite na plenitude das suas capacidades o sentimento do personagem que desempenha, sendo muito bem acompanhado por Will Forte que tem um desempenho também de grande qualidade. Obviamente que o restante elenco está também ele à altura dos acontecimentos. Não é por acaso que o filme foi candidato a seis Óscares.

Em suma, trata-se de uma história de vivência e relação humana guiada pelo sonho de um velho que imagina o pote de ouro à sua espera algures. Não por ambição ou ganância, tão somente porque, como diz ao seu filho David após se sentir mal e ambos discutirem: “Eu só quero uma Pick Up nova, deixar alguma coisa para vocês…”. Trata-se de um filme de afetos, amor e compreensão para com aqueles que mais dela necessitam.

Como alguém diz: “Todos lá havemos de chegar… ou, pelo menos alguns!”. Que o sonho comande a vida.

Bons filmes.

Jorge Gameiro

Rating: 3.5 out of 4.

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