“The Undoing” (2020) é uma minissérie americana de mistério e suspense, produzida pela HBO, que conta a história de uma terapeuta, Grace Fraser (Nicole Kidman), que vê a sua vida a desabar, depois de se deparar com a possibilidade do seu marido, Jonathan Fraser (Hugh Grant), ser responsável por um desastre. É baseada no romance de 2014, “You Should Have Known“, de Jean Hanff Korelitz, foi escrita e produzida por David E. Kelley e realizada por Susanne Bier.
A verdadeira beleza desta série está na sua vertente mais contemplativa e emocionalmente expressiva. O seu ritmo mais desenfreado não contrasta com a sua narrativa mais sentimental, mais de construção mental, mais obscura e subtil. Para isso contribui e muito as interpretações quer de Nicole Kidman, quer de Hugh Grant, capazes de revelar uma grande química no ecrã, algo que justifica e muito a profundidade das personagens e o realismo da situação pela qual estão a passar.
O argumento é, por isso, bastante certeiro na forma como deixa aquele vazio no ar de episódio para episódio, permitindo ao espectador revisitar, com satisfação, esta história e permitir, ainda, que no interlúdio sejam criadas múltiplas teorias sobre o desfecho da mesma. Além disso, consegue, através da sua banda sonora, criar um ambiente muito envolvente para o auditório abraçar e aceitar o que vê, e daí conseguir retirar uma profunda significação.

A série trata múltiplas realidades e flagelos interessantes: desde logo o ambiente judicial, onde muitas vezes temos de ignorar os nossos escrúpulos para conseguirmos trazer alguma paz à nossa vida e as coisas se alinharem; a própria forma como um rapaz adolescente, Henry Fraser (Noah Jupe), vive todo este processo de desconfiança e de revelação de um alegado lado mais negro do seu pai e em como isso (o trauma) poderá influenciar o seu futuro.
Por outro lado, penso que falta à história um pouco de poesia na altura de elevar o seu carácter mais metafórico e construtivo. Tenta ser por vezes demasiado audaz e acaba por cair num poço um pouco irrealista, algo que retira alguns méritos à produção como um todo, mas sem nunca mexer com a sua essência mais diferenciadora.
Grace é uma personagem super completa nesta história, uma vez que a conseguimos conhecer em toda a sua plenitude. Para isso, naturalmente que as qualidades de Nicole Kidman favorecem e muito a personalidade da personagem, mas penso que este nível de caracterização só é mesmo possível quando a escrita está a num patamar deveras alto, como é o caso.

Ademais, Jonathan é um papel que penso assentar muito bem a Hugh Grant, com a sua maneira muito característica de sentir a personagem e através dos seus maneirismos e do seu carisma. É a personagem central da história, uma vez que espoleta a desconfiança e a investigação por detrás do alegado crime que cometeu, mas divide o protagonismo com Grace, com a sua esposa que, mesmo perante a realidade de um novo Jonathan que desconhecia, é capaz de estar sempre ao seu lado. Esse é também um dos fortes aspetos que a série traz, nomeadamente, como o companheirismo, o lado humano que se sobrepõe à desilusão, à frustração e à tristeza.
Essa valorização e expressão de valores em detrimento de sentimentos mais destrutivos não só transpõe, através da sua fotografia belíssima, um lado mais filosófico e, uma vez mais, contemplativo, como também consegue marcar pela diferença numa série que à primeira vista é um thriller, mas que rapidamente se consegue transformar num drama com muita categoria e personalidade.
O seu final deixa, no meu entender, um pouco a desejar, no entanto, nada que mexa com a sua índole inovadora e catártica que foi capaz de imprimir nestes bonitos seis episódios, que fazem desta experiência algo que não pode ser cinematográfica e emocionalmente desfeito — e ainda bem.
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