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Porque A Arte Somos Nós

Ao início podemos achar que vamos ver um documentário que retrospetiva a história do estilo de música punk em Inglaterra, mas é um pouco mais abrangente que isso. Graças a essa vertente mais híbrida, “White Riot”, realizado por Rubika Shah, é um documento com mais peso político do que propriamente musical. Com muito arquivo da altura e com um leque recheado de entrevistados, o filme transporta-nos para um momento de tensão em particular vivido no fim da década de 1970 em terras de Sua Majestade.

“White Riot” relembra-nos o ambiente da histeria anti-imigração e as marchas da Frente Nacional em Inglaterra, uma filosofia política que encontrou bastantes simpatizantes no ciclo punk e underground. Os mais jovens eram a força da mudança e carregavam consigo uma energia de revolta que acabava sendo transposta na velocidade e na crueza dos riffs e das baterias. Nesse aspeto, o documentário é rico em imagens da altura, onde observamos skinheads e outros tantos jovens, alguns com o símbolo da suástica nazi, ou a afirmar que os imigrantes não são bem-vindos.

Em resposta a este movimento mais radical nasceu o Rock Against Racism, que se assumiu como um dos principais pontos de resistência contra a disseminação de ideais fascistas. Como não podia deixar de ser, a sua maior arma era, nada mais nada menos, que a música. Música essa que acabava por juntar vários estilos. A abertura às influências estrangeiras trouxeram os blues, o ska e os ritmos mais tribais à esfera mediática. Se formos a analisar, bandas como os The Clash ou os The Police beberam dessa inspiração reggae, mesmo sem nunca esquecer a sua base punk rock.

“White Riot”

Um personagem importante que nos guia através da narrativa é Red Saunders, um dos fundadores do movimento Rock Against Racism. Este explica-nos o início do grupo, e a forma como tudo evoluiu. Não podemos ignorar o descontentamento social vivido à época no Reino Unido, resultando em tensão, divisão e exclusão. Com um renascer de seguidores de Adolf Hitler, parte deles dentro da própria força policial, os grupos minoritários sentiram a necessidade de se unir. Os contornos desta ascensão ganhavam outra expressão quando Eric Clapton, um músico claramente influenciado por artistas negros, afirmou o seu apoio ao político Enoch Powell, que defendia uma “Grã-Bretanha branca”.

Das várias áreas da sociedade, um núcleo sólido é criado de forma a publicitar e espalhar a palavra: é necessário combater os Nazis e a Frente Nacional. Para isso há que haver uma comunidade. Não nos podemos esquecer que há altura não havia redes sociais, sendo que era essencial ter apoios e canais de difusão eficazes. Solução? Criar um festival. A união poderia ser consumada num palco, com músicos e bandas de ska, blues, funk, rock e punk. Graças ao passa palavra e às manifestações, o grande evento realizou-se a 30 de abril de 1978 em Trafalgar Square, juntando assim 80.000 pessoas.

Tanto a organização como as forças de segurança não esperavam tanta aderência por parte das pessoas, sendo que os concertos se deram após uma grande marcha. O cartaz era desde os Buzzcocks aos Steel Pulse, X-Ray Spex, The Ruts, Sham 69, Generation X, Tom Robinson Band, Patrik Fitzgerald e claro, os The Clash. Sendo uma das bandas punk mais mediáticas à altura, era imperativo o seu apoio à causa. Mais uma vez, “White Riot” – título de uma música dos Clash – consegue ser bastante apelativo graças a várias gravações do evento, quer do ponto de vista do público, do palco, ou do backstage.

“White Riot”

Mais do que uma celebração em nome da música, foi uma celebração da união e de uma luta contra uma eventual supremacia. “White Riot” é um sucesso em transmitir a mensagem central, não esquecendo todo um contexto histórico, político e social. Os pontos de vista estão bem fundamentados e as entrevistas mais recentes aos intérpretes principais da organização Rock Against Racism permite-nos um contexto mais pormenorizado e orgânico. No entanto, essa contextualização por vezes parece ser um pouco excessiva.

Esta é uma peça sensível, mas Rubika Shah é sábia em querer juntar a política e a música de uma foram harmoniosa e concisa. Em grande parte do tempo fá-lo bem, contudo, durante o segundo ato do documentário existem certas passagens que abusam de um diálogo que pouco acrescentam à essência da “resolução do problema”. Paralelamente a esse lado menos bom, o trabalho de colagem e edição ao longo da narrativa é extremamente positivo, com a realizadora a aproveitar o arquivo da melhor maneira.

É importante também mencionar que sendo este um documentário musical, a obra poderia contextualizar um pouco melhor as carreiras dos músicos que encabeçaram e apoiaram o movimento Rock Against Racism. Não é que não o faça propriamente, mas um pouco mais de contexto artístico ao invés de político poderia ter ajudado a balancear o estímulo narrativo.

Não é tarefa fácil jogar em dois campos distintos, principalmente quando um deles move ideologias e todas as consequências que daí advém, mas no combo geral, “White Riot” é uma peça de história muito bem contada. Mesmo não sendo estimulante 100% do tempo, o espectador tem acesso a um arquivo muito rico e é desafiado a refletir sobre um passado recente, ainda para mais quando o presente volta a levantar certos fantasmas que se julgavam estar adormecidos. Sem nunca esquecer a música, a cineasta reforça que esta forma de arte é das mais impulsionadoras – capaz de mover cidades e sociedades.

Este filme foi exibido no Porto/Post/Doc no dia 26 de Novembro (quinta-feira), às 20:15 horas, no Passos Manuel.

Rating: 3 out of 4.

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