No que diz respeito à capacidade inventiva do cinema, o género documental é um dos que tem mais potencial para se distinguir. Para não falar do found footage, a certo ponto surgiu outro subgénero bastante peculiar – o pseudodocumentário. Na sua essência, uma peça de ficção filmada de modo a fazer crer que estamos perante cenas factuais. Obras de horror como “The Poughkeepsie Tapes” (2007) e “O Segredo do Lago Mungo” (2008) fundamentaram bem o subgénero, que acabou por não se estabelecer por completo.
Num espetro semelhante, o documentário pode incorporar elementos de ficção, como no concorrente da Competição Internacional do Festival de Cinema Porto/Post/Doc, “Days of Cannibalism” (2020). Na mesma competição e com uma atitude semelhante encontra-se também “My Mexican Bretzel” (2019), a estreia da cineasta Nuria Giménez que consegue desafiar tanto os limites do género como da paciência.
Quase totalmente desprovida de som, a história é contada através da justaposição de imagens com legendas que não são narradas em voz. Os visuais foram recolhidos dos vídeos caseiros captados por Léon e as palavras provêm de excertos do diário privado de Vivian Barrett, a sua esposa. Os aspetos melodramáticos clássicos misturam-se com a sensibilidade documental para criar um efeito estético singular. Já a narrativa, que está compreendida entre os anos 40 e 60 do século passado, é contada a partir da perspetiva de Vivian, que face ao fluxo de acontecimentos públicos e privados, deambula sobre a sua relação com Léon, um amor secreto e a própria existência.

Por vezes o que está a ser dito é diretamente suportado pelo que está a ser mostrado, outras vezes, o totalmente oposto. Noutras sequências mais abstratas, os sonhos, receios e alegrias da autora do diário são ilustrados na tela, criando uma mescla entre o pessoal e o social. A vida que leva com o seu marido, que é um industrial bem-sucedido, parece também ela onírica: passeios de barco no verão mediterrânico; piqueniques ao ar livre; esplanadas atrás de esplanadas e muitos sorrisos. Alegrias que nem sempre estão em sincronia com o que Vivian relata em sigilo.
O resultado é a sensação de que entrámos em terreno privado. Somos voyeuristas de vidas manufaturadas, e como temos acesso aos pensamentos íntimos da autora, sabemos mais do que as pessoas que compõe o quadro visual. Ainda assim, “My Mexican Bretzel”, por único que seja, patina entre a realidade e a ficção de forma pouco entusiasmante e aborrecida.

É um docudrama experimental que corresponde à ideia de que o cinema é, na sua essência, uma grandessíssima ilusão mas fá-lo de forma pouco estimulante. A ausência do som é parte do problema, mas o principal demérito reside no facto de a combinação imagética e textual não conseguir estabelecer a relação necessária entre o filme e o espetador para que seja gerado interesse ou empatia.
Quando consegue, a cineasta apoiasse nos escritos do filósofo indiano Paravadin Kanvar Kharjappali, que na realidade é mais uma das invenções do filme. “Lies are just another way of telling the truth“, refere Vivian, evocando o pensador. Tal como o cinema pode resumir-se a um grande truque de magia, a mente constrói narrativas em prol da auto-preservação. Um aspeto temático que Nuria Giménez pondera num formato de realidade contínua, empacotado num exercício dissimulado que não é mais do que um falhanço honorável.
Este filme pode ser visto no Porto/Post/Doc no dia 24 de Novembro (terça-feira), às 17:30 horas, no Teatro Rivoli. Consulta a programação diária aqui.
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