Steven Spielberg leva-nos numa viagem ao futuro no filme de 2002, “Minority Report” (em português, “Relatório Minoritário“), onde a tecnologia permitiu mudar até o mundo da justiça. Neste filme de ação e ficção científica, temos como protagonista John Anderton (Tom Cruise), polícia numa unidade especial de crimes – o Pré-Crime. Este programa tem por base os Pre-Cogs (precognitivos), que são pessoas com a capacidade de prever o futuro, mais especificamente crimes pré-planeados pela mente humana.
Ironicamente, uma das visões dos Pre-Cogs que chega à mão dos agentes especiais desta unidade é justamente a de um homicídio cometido (futuramente) pelo agente Anderton. Esta personagem de espírito lutador parte então na busca pela sua inocência, com o intuito de perceber quais poderiam ser as suas intenções por detrás de um crime tão atroz, uma vez que o homem que seria a sua vítima é-lhe completamente estranho, bem como as circunstâncias do homicídio em si.
Como já disse, esta película toca no género de ficção científica, mas é muito mais do que um policial futurístico. Trata de dilemas da índole filosófica (como a questão do determinismo, por exemplo) e também de muitas situações estudadas pela própria psicologia. Muitos conceitos aparecem como mensagens subliminares que só os mais atentos poderão associar e tentar compreender.

Por exemplo, olhos, ver, visão são palavras que guiam toda a história, na medida em que nesta sociedade do futuro existe por todo o lado dispositivos que identificam cada indivíduo através dos seus olhos, que acabaram por se tornar vazios e automáticos, quase como robôs sem consciência. Para além disso, as visões dos Pre-Cogs, mais especificamente de Agatha (Samantha Morton), a mais intuitiva, são a chave para todo o mistério de John. Mas quanto mais se olha, menos se vê e, neste filme, o fio dos acontecimentos parece emaranhar-se cada vez mais à medida que os minutos se esgotam.
Voltando ao problema filosófico objetivamente presente nesta história – quando conhecemos a Dr. Irish Hineman (Lois Smith), ficamos a saber de um pormenor importantíssimo que pode mudar o rumo da narrativa: a existência de um relatório minoritário que explica que o Pré-Crime não tem em conta a capacidade que, enquanto seres humanos, temos de escolher fazer ou não determinada ação. Sendo Agatha a única forma de obter o seu relatório minoritário, John Anderton rapta a Pre-Cog e acaba por abrir outras portas com novas incertezas e enredos ao descobrir que o seu relatório nunca existiu. Este grande dilema leva Anderton a deixar de acreditar no sistema do Pré-Crime quando se vê na pele de um assassino.
O “Relatório Minoritário” é o tipo de filme que em 2h 25m dá reviravoltas até dizer chega e os nós na cabeça que se formam ao tentarmos entender como tudo se conecta tornam-se cada vez mais difíceis de desatacar; isto até que nos momentos finais tudo se torna claro como a água. Uma história complicada, sim, mas também entusiasmante e assustadora. Com elementos soltos que fazem parte de algo maior, que dão a profundidade que o plot merece e que fogem aos filmes de ação mais convencionais.

Para além disso, este filme requer de nós uma autorreflexão após a sua visualização a propósito das questões de moralidade, justiça e exploração da sociedade presentes. Apesar da dificuldade evidente em trabalhar num filme que “brinca” com linhas temporais, as cenas de efeitos especiais (nomeadamente as visões dos Pre-Cogs) acabam por se fundir na perfeição num estilo visual natural e, mais uma vez, distinto dos filmes mais convencionais do género.
Tocando noutro ponto, poder-se-ia atribuir o mérito de representação ao insubstituível Tom Cruise, mas a verdade é que Samantha Morton assume uma personagem mais complexa e que mais facilmente capta a atenção e empatia do espectador: a sua vulnerabilidade, o seu medo e a sua bondade presentes mesmo nos tempos mais difíceis tornam esta personagem imediatamente numa corda bamba entre o inocente e o trágico.
Só posso terminar com uma reflexão filosófica da psicologia, pois é isso mesmo que o filme provoca. O ser humano é inacabado, está em constante evolução e mudança. Poder-se-ia pensar nisto como uma desvantagem, mas é, na verdade, um trunfo que a nossa espécie tem sobre todas as outras; o ser humano como um sistema aberto é o que lhe permitiu adquirir capacidades únicas e extraordinárias, nomeadamente, o poder de escolha, a liberdade e o discernimento.
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