É de cabeça erguida e com imensa admiração pela cineasta norte-americana Kelly Reichardt que escrevo este preâmbulo introdutório ao top 5 da sua filmografia. Desde 1994, ano em que estreou a sua primeira longa-metragem – River of Grass – que a realizadora e argumentista distinguiu-se como sangue fresco a ter em conta no futuro. Mais de 25 anos depois e com sete filmes no bolso, Reichardt é louvada e estudada por cinéfilos e académicos de todo o mundo e tornou-se numa referência do cinema independente do seu país.
Em tempos, faltou-me essa perspetiva. O meu primeiro contacto com a cineasta foi através do filme “Old Joy” (2006). Citando a última frase da crítica que escrevi em 2018, nota-se a minha desconsideração: “Torna-se claro que Reichardt tem algo a dizer, a forma como o diz é que podia ser mais interessante“. Com isto, queria dizer que havia pouco mais do que contemplação paisagística no filme. No entanto, apesar de a crítica espelhar o retrato honesto da minha experiência, é certo que ignorei vários fatores fundamentais para entender e apreciar com propriedade o estilo da cineasta.
Influenciada pelo movimento neorrealista italiano dos anos 40, Reichardt filma a vida como ela é. Filma dias, semanas de personagens comuns e em locais pouco populados. Muitas vezes em situações limite, com o fim de alertar para determinados temas, sejam eles ambientais, económicos ou simples alertas para a azáfama do dia-a-dia moderno. Um dos seus objetivos é imprimir nos filmes a ideia de tempo que as personagens estão a sentir. Como tal, o ritmo é frequentemente deliberado. Só assim sentimos as suas dores, as suas lutas, os seus desejos. E face a esta análise, face aos locais naturalistas que recorrem nas suas imagens, existe beleza, existe humanidade.

5.º “Certain Women” (2016) – Drama
No que é provavelmente o seu maior exemplo de minimalismo, “Certain Women” conta a sua história através de três capítulos distintos, cada um deles focado numa mulher. Um diz respeito a uma advogada, interpretada por Laura Dern, outro refere-se à personagem encarnada por Michelle Williams, que está a ajudar o seu marido a construir uma casa e, por fim, o último capítulo aborda uma fazendeira solitária que está a tentar conectar-se com uma professora, representada por Kristen Stewart. Num claro exemplo de “show, don’t tell“, o diálogo no filme é esporádico e acaba por não se tornar tão relevante em comparação ao que não é dito.

4.º “Meek’s Cutoff” (“O Atalho”) (2010) – Drama, Western
Como seria um western realizado ao estilo de Reichardt? “O Atalho” é a resposta. Pitoresco, tátil e bastante pausado, o filme narra um grupo de viajantes que tenta atravessar o deserto de Oregon em 1845. O calor e a escassez de água tornam-se um problema urgente, mas enquanto esses aspetos aumentam a urgência da história, é na relação entre os membros do grupo que surge a maior fonte de drama. Numa época em que a desigualdade de género era a norma, há pequenos toques feministas que fazem a diferença no enredo.

3.º “Night Moves” (2013) – Drama, Thriller
Com um forte paralelismo entre a consciência pessoal e a consciência ambiental, “Night Moves” desenvolve-se como um thriller de personagens que fazem coisas más com as melhores das intenções. Três radicalistas ambientais procuram explodir uma barragem hidroelétrica com o fim de alertar o mundo para o que está a infligir ao ambiente. É o melhor exercício de suspense da cineasta, sendo que o interesse principal da história reside no progresso do estofo ou debilidade mental das personagens em lidarem com as consequências das suas ações.

2.º “First Cow” (2019) – Drama
Com inúmeras imagens a implorar para serem transpostas para pintura a óleo, a direção de fotografia de “First Cow” salta à vista desde as primeiras cenas. A seu par está uma produção vívida e imaculada que compõe o cenário de Oregon em 1820 – repleto de fauna e flora. Nesse espaço selvagem habitam Cookie (John Magaro) e King-Lu (Orion Lee). Movidos por aquilo que viria a chamar-se de “o sonho americano”, os amigos começam a transgredir a lei em prol do empreendedorismo. Ainda que o ritmo não seja apropriado para quem sofre de défice de atenção (algo transversal à sua filmografia), é um filme estilisticamente e narrativamente riquíssimo.

1.º “Wendy & Lucy” (2008) – Drama
No meio de tantos filmes que vêm e vão, existem aqueles que ficam. “Wendy & Lucy” pertence definitivamente à categoria daqueles que ficam. Simples, cru e memorável, a história diz respeito à procura incessante de Wendy pela sua cadela, Lucy, que perdera o rasto. Com o pano de fundo da crise financeira, a cineasta narra dificuldades e desesperos em escala microscópica, para efeitos gigantescos. É agridoce e reflete na perfeição o cinema de Reichardt: pequenos fragmentos de vidas que transcendem para lá do tempo em que estão a ser expostos em tela.
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