“A seleção natural é a solução verdadeira. É a única solução viável já sugerida. E não é apenas uma solução viável, é uma solução de incrível poder e elegância”
“Deus, Um Delírio”
“Deus, Um Delírio” (Companhia das Letras, 520 p.) de Richard Dawkins, lançado em 2006, é um livro divertidíssimo. Em estilo provocante e por vezes sarcástico, o geneticista e um dos maiores expoentes da Ciência Moderna ataca sem dó nem piedade o obscurantismo religioso e dogmático que, intolerante, se não queima hereges e bruxas nos tempos atuais, impregna de fanatismo civilizações bárbaras e que, sob o verniz da religião, continua com as práticas estúpidas de perseguições, intolerâncias e medos.
Este panfleto mais pop caiu logo no gosto de milhares de leitores mundo afora, até pelo tom coloquial do escrito, contrastando com a aridez dos seus tratados científicos mais famosos, tais como “O Gene Egoísta” e “Evolução“, os quais li e percebi a rigorosa acuidade intelectual do seu autor.
Ao cabo de “Deus, Um Delírio”, acrescido de algumas entrevistas e depoimentos de Dawkins que assisti no YouTube, percebi um detalhe interessante: o quanto dá para combater o “adversário” no seu próprio campo e como as contradições irritam àqueles que não possuem uma fé racionalizada. E é aqui que Dawkins dá a sua marretada mais precisa: não há junção entre razão e fé e ele desmistifica a tese de que muitos cientistas acreditam na obra de um Criador.
Pessoalmente, passo por isso quando sabem que sou ateu e, incomodados, tentam me converter ao rebanho. Utilizo a mesma saída da cantora e compositora Rita Lee: “Obrigado, não“! Ao contrário, nunca quis converter ninguém ao meu ateísmo e nunca fui intolerante ao lidar com as diferenças. O leitor já percebeu o fanatismo de algumas pessoas doentes que tentam convencerem-se a si próprias, uma vez que o regime de rebanho exige isso: a arregimentação de muitos para não pensarem e agirem de modo independente, levando a própria vida.
Lendo “Deus, Um Delírio”, percebi tratar-se de quase um diário da minha infância. Isso devido à extrema religiosidade da minha mãe, que sempre respeitou as minhas crenças, mas quando era garotinho, choquei-me com o atentado ao Papa João Paulo II e à época a minha mãe disse-me que ele era o representante de Deus na Terra. “Mas qual o motivo de tentarem matar o enviado de Deus à Terra?” pensei à época. No livro, Dawkins relata, de forma irónica:
“O Papa João Paulo II criou mais santos que todos os seus antecessores de vários séculos juntos, e tinha uma afinidade especial com a Virgem Maria. Seus impulsos politeístas ficaram dramaticamente demonstrados em 1981, quando sofreu uma tentativa de assassinato em Roma e atribuiu a sua sobrevivência à intervenção de Nossa Senhora de Fátima. ‘Uma mão materna guiou a bala’. Não dá para não se perguntar por que ela não a guiou a que se desviasse de vez dele. Ou se pode questionar se a equipa de cirurgiões que o operou por seis horas não merece pelo menos uma parte do crédito; mas talvez as mãos deles também tenham sido maternalmente guiadas.
O ponto relevante é que não foi só Nossa Senhora que, na opinião do Papa, guiou a bala, mas especificamente Nossa Senhora de Fátima. Presume-se que Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Medjugorje, Nossa Senhora de Akita, Nossa Senhora de Zeitoum, Nossa Senhora de Garabandal e Nossa Senhora de Knock estavam ocupadas com outros afazeres naquela hora.“
Com vastíssima leitura sobre os textos religiosos, Dawkins destila o veneno da sua ironia e defende uma tese aceitável, a de que não sabe ou não teve notícias de grupos ateus que atentaram contra a vida dos outros; o contrário, infelizmente, percebe-se na carnificina religiosa chamada As Grandes Cruzadas, Santa Inquisição e fundamentalistas islâmicos atirando aviões contra as torres gémeas, nos Estados Unidos (2001). O que se sobressai destas leituras do autor é escárnio e a constatação de que não é nada razoável ostentar uma fé. Alude à necessidade premente de usarmos a razão e, somente assim, caminhar com mais segurança nesta vida.

Utilizar a razão! Essa premissa básica é o que não se percebe na maioria das vezes, quando pessoas descerebradas se entregam às mãos de líderes religiosos inescrupulosos e a isso cabe um adendo de que as nações mais pobres do Planeta tendem a ser mais religiosas, ao passo que o ateísmo vinga em países com os maiores índices de IDH, como por exemplo a região da Escandinávia. Um dito popular no Brasil afirma que “futebol, política e religião não se discutem”, pois bem, pessoalmente não discuto por impaciência com a ignorância de rebanho e dada a minha atitude de não querer arrebanhar ninguém, mas que as ideias religiosas são bastante frágeis, disso não resta a mínima dúvida.
Atualizando um caso: no Brasil, na província de Minas Gerais, ocorreu uma polémica vazia há pouco quando um double de pastor evangélico e cantor, com milhares de seguidores nas redes sociais, afirmou que “Igreja não era lugar para gay frequentar”. Nada demais, pensei. Como sempre entendi a Igreja como lugar de exclusão, a ver: discriminação contra as mulheres ao longo de dois mil anos; silêncio conivente com a escravidão no Brasil à época em que o país era colónia e mesmo após a sua Independência;
Silêncio do Vaticano contra as atrocidades nazistas aos judeus, etc. e se fosse aqui discorrer, o texto daria um livro, à conclusão tácita a que chegamos é que a Igreja não é lugar para gays, pretos, mulheres, etc. pois não é que no Antigo Testamento o mandamento que ordena “não cobiçar a mulher do próximo” foi edulcorado e na verdade esconde aquilo que estava na sentença primeira: “não desejar o boi do próximo, o arado do próximo, o cavalo do próximo” e somente ao fim aludem à mulher em questão? Enfim, são factos apresentados pelo próprio adversário.
Richard Dawkins, este farol de inteligência a iluminar as trevas daqueles que insistem em permanecer na Idade Média, é debochado e não foram poucas as vezes em que me peguei rindo às gargalhadas com as suas alfinetadas. O livro é gostoso de se ler, e ao final, o autor relaciona o endereço de várias organizações de ateus ao redor do mundo, comprovando na sua vasta bibliografia os estudos feitos para desmascarar os religiosos ameaçados nos seus tronos podres de poder e intolerância.
Que este texto sirva como incentivo a reverem os seus pontos de vista, convido todos a saírem da Idade Média e adentrarem ao renascimento cultural, o Iluminismo, e advirto para a necessidade do uso premente da razão. Se não concordarem comigo, por favor, não joguem uma aeronave contra o meu prédio. Eu apenas penso diferente…
“Em 2005, a bela cidade de Nova Orleans foi catastroficamente inundada depois da passagem de um furacão, o Katrina. Houve registos de que o reverendo Pat Robertson, um dos televangelistas mais conhecidos dos Estados Unidos, que já foi candidato a presidente, responsabilizou uma comediante lésbica que por acaso morava em Nova Orleans pelo furacão. Era de esperar que um Deus onipotente adotasse uma abordagem um pouco mais precisa para destruir pecadores: um infarto discreto, talvez, em vez da destruição a granel de uma cidade inteira só porque calhou de ela ser o domicílio de uma comediante lésbica.“
“Deus, Um Delírio”