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“Se não estás a pagar pelo produto, tu és o produto”


– “The Social Dilemma”

Esta é uma das várias frases e pensamentos impactantes do novo documentário realizado pelo consciencializador social Jeff Orlowski. Depois de tentar chamar à atenção para as problemáticas ambientais com os filmes “Chasing Ice” (2012) e “Chasing Coral” (2017), o realizador vira as atenções para a forma como as redes sociais interferem com o nosso psicológico pessoal e coletivo.

Parte do que é revelado em “The Social Dilemma” não é assim tão confidencial quanto isso – o caráter viciante das redes, a busca incessante por likes, a disseminação de fake news, a personalização de cada feed de acordo com um algoritmo melindroso. Pode, portanto, dizer-se que este documentário está cerca de cinco anos atrasado, sendo que vê-lo neste momento pode ser mais importante do que nunca.

Até porque os entrevistados que servem como espinal medula ao filme são, nada mais, nada menos, do que algumas pessoas responsáveis pela criação destas aplicações. Entre eles, ex-funcionários da Google, Facebook, Twitter, Instagram e Pinterest. Cientes da falta de ética da indústria do Vale do Silício, eles comentam de forma tímida e preocupada sobre como é que o sistema está montado para nos manipular e quais são as consequências nefastas que estamos de momento a experienciar. Intercalado, decorre uma dramatização que concretiza alguns dos aspetos que são mencionados.

Na sua génese, as inovações tecnológicas que nos vieram interligar eram bem-intencionadas. Por exemplo, o botão like tinha como missão “espalhar positividade”. Não foi tida em conta a hipótese de milhões de pessoas, em particular adolescentes, sofrerem de ansiedade e depressão devido à ausência destes mesmos likes. Os números não enganam: de acordo com o estudo Suicide Rates Among Adolescents and Young Adults in the United States, 2000-2017*, a taxa de suicídios de jovens americanos dos 15 aos 24 anos subiu 51% na última década. Um factor que aumentou a par e passo com o uso das redes sociais e doenças do foro psicológico.

Skyler Gisondo

Outro relato interessante do documentário vai ao encontro do caráter aditivo das redes sociais. Um dos entrevistados que está responsável por tornar uma aplicação apelativa, não consegue chegar a casa e desligar da mesma. A prova do próprio veneno funciona como a narrativa de prevenção para os demais. Outro afirma que não permite aos filhos o acesso a quaisquer redes sociais, pois esta é precisamente a moeda de troca – o negócio – destas aplicações: a nossa atenção. Os algoritmos estão cada vez mais aperfeiçoados para prever o nosso comportamento a fim de nos manterem conectados, de consumirmos recomendações e publicidade.

Não é de todo o primeiro documentário a bofetar ou tentar desmascarar o lado negro da lua. Os recentes “The Great Hack” (2019) e “Screened Out” (2020) fazem-no à sua maneira, o primeiro enfatizando a “privacidade” da informação e o segundo as repercussões do uso constante do telemóvel. No entanto, “The Social Dilemma” transcende para o plano da preocupação social, política e económica na medida em que alerta para os efeitos globais destas problemáticas que têm uma supervisão legislativa quase nula.

Parafraseando a obra, as redes sociais são tanto uma utopia como uma distopia. A forma como vamos deixar que elas nos tratem vai depender da “mão” que tivermos nelas. A dramatização com atores que vai acompanhando a narrativa ilustra, de forma moderadamente satisfatória, o que pode acontecer se formos negligentes. É necessário comunicar e educar sobre como fazer uma utilização higiénica das redes sociais, legislar e estar atento às empresas tecnológicas, tal como é necessário despertar para a importância destes assuntos, sob pena de sucumbirmos aos mesmos.

* Miron O, Yu K, Wilf-Miron R, Kohane IS. Suicide Rates Among Adolescents and Young Adults in the United States, 2000-2017. JAMA. 2019;321(23):2362–2364. doi:10.1001/jama.2019.5054

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

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