Uma família cubana é o sujeito coletivo da estreia em longas-metragens documentais do cineasta brasileiro Aldemar Matias. Um fragmento de vida seleccionado para competir na categoria Panorama do Festival Internacional de Cinema de Berlim em 2019, “La Arrancada” é imparcial e íntimo na crónica da vida de uma jovem cujas dúvidas sobre o seu futuro não param de aumentar.
O seu nome é Jenniffer e a sua paixão é o atletismo, mais especificamente a velocidade. A sua mãe, Marbelis, está à frente de uma instituição de saúde pública em Havana e leva o seu trabalho muito a sério. A certo ponto, o seu irmão mais novo começa a preparar-se para sair do país, deixando Jenniffer, que já estava com dificuldades em comprometer-se com a seleção nacional cubana, ainda mais confusa relativamente ao que fazer da sua vida.
A partir de um retrato intimo e naturalista, Matias toca em questões como a união familiar, a emigração e perspectivas de vida num país onde abundam acusações de violação dos direitos humanos. Coloca em primeiro plano conversas entre mãe e filha, trocas de impressões, desejos e, por vezes, sentimentos. Somos agentes passivos na observação dos treinos de Jenniffer e na sua eventual lesão, que resulta noutra pedra no caminho. Com os seus amigos, conversam sobre a vontade de sair do país e experienciar o mundo. Um deles, tem a certeza que quer retomar ao país natal na sua hora final.


Interessado em captar as mudanças nesta realidade doméstica em particular, o cineasta acaba por impor uma autorreflexão ao espetador em detrimento de mostrar o impacto que estas alterações têm na vida das pessoas filmadas. Isto é, a ordem do conteúdo não abre completamente a janela da alma dos protagonistas, mas deixa uma fresta aberta para nos relacionarmos com as circunstâncias que atravessam.
Também salta à vista o choque cultural entre um povo que tem raízes tradicionalistas em contraposição às camadas mais jovens, aventureiras, conectadas à tecnologia através do predomínio dos telemóveis e da Internet. Deste ponto de vista, “La Arrancada” comenta sobre um povo em período de transição.
Um período que exige compreensão e paciência de ambas as partes de modo a mitigar o fosso geracional. Capturar estes aspetos torna-se acessível porque a família, surpreendentemente à vontade com uma câmara a espiar o seu comportamento, responde sem embaraço entre si, como se não existisse mais ninguém em seu redor.
Com uma hora de duração, pode parecer surpreso que o ritmo do documentário seja tão glacial, cultivando alguma falta de atenção periódica. A composição da imagem é variada e o objeto de estudo é pertinente do ponto de visto humano, no entanto, revela também alguma falta de polimento, motivado talvez pela procura extremada de autenticidade.
É um primeiro esforço de um cineasta que não oferece respostas fáceis. Como o ato de semear um terreno na esperança que alguém observe e cuide da germinação. Um passar de testemunho à audiência.
Parabéns pela crítica! Interessante!
Muito obrigado! É uma proposta diferente do comum.