OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Cobertos de folhagem, na verdura,

O teu braço ao redor do meu pescoço,

O teu fato sem ter um só destroço,

O meu braço apertando-te a cintura;

Num mimoso jardim, ó pomba mansa,

Sobre um banco de mármore assentados.

Na sombra dos arbustos, que abraçados,

Beijarão meigamente a tua trança.

Nós havemos de estar ambos unidos,

Sem gozos sensuais, sem más ideias,

Esquecendo para sempre as nossas ceias,

E a loucura dos vinhos atrevidos.

Nós teremos então sobre os joelhos

Um livro que nos diga muitas cousas

Dos mistérios que estão para além das lousas,

Onde havemos de entrar antes de velhos.

Outras vezes buscando distracção,

Leremos bons romances galhofeiros,

Gozaremos assim dias inteiros,

Formando unicamente um coração.

Beatos ou pagãos, vida à paxá,

Nós leremos, aceita este meu voto,

O Flos-Sanctorum místico e devoto

E o laxo Cavalheiro de Flaublas…

Cesário Verde

Pintura de John William Waterhouse, “A alma da rosa” (1908)

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