Uma das coisas mais fulcrais da nossa vida passa por desafiar o nosso passado, por vezes de forma obscura, por vezes porque o passado dói e muitas vezes preferimos deixá-lo para trás, esquecer aquilo que nos fez chegar até aqui. Como exemplo surge Donald Draper – interpretado de forma exímia por Jon Hamm –, que se refugia na sua enorme genialidade enquanto director de marketing. É um publicitário na América dos anos 60, da empresa Sterling & Cooper, uma das agências de maior prestígio na época. O foco da narrativa é a forma como as agências de publicidade americanas trabalham e, claro, toda a dimensão pessoal das personagens que lhe dão relevo. E se há algo que torna “Mad Men” especial é a forma como desafia o espectador, permanentemente, variando entre o realismo das mudanças sociais ocorridas nos Estados Unidos, com o lado mais ficcional e criativo (a dimensão interior) dos protagonistas – que são vários.
Don vive uma vida bastante boémia, sem grandes critérios de moralidade, tem um ar bem parecido e faz um uso brilhante das palavras, quer no seu trabalho, quer na sua vida privada, conseguindo livrar-se muitas vezes dos problemas graças à sua “lábia”. Viveu uma infância atroz, repleta de abusos, vícios e vicissitudes. Um verdadeiro artesão das palavras, emotivo, com um passado negro. Ele é o espelho da série, amplamente aclamada pela crítica, não só pela sua autenticidade histórica, como também pelo seu estilo visual inconfundível, tendo sido produzida pelo cineasta norte-americano Matthew Weiner.
“Mad Men” (2007-2015) desmistifica uma América cheia de estigmas, sempre de maneira bastante fria, num mundo onde a competitividade e a inveja reinam. Os génios são pessoas como nós, se não conseguem ter compreensão do mundo vão-se abaixo, pois mesmo que sejam intelectualmente evoluídos, dependem sempre dos menos evoluídos para entenderem quem são. Durante esse percurso, Don vai moldando a sua personalidade e percebendo que o mais importante da vida não é a fama, o poder, o dinheiro, mas o amor da família, dos amigos, de quem lhe quer bem. No meio de toda esta panóplia de acontecimentos, surge uma outra personagem de grande importância: Peggy Olson (Elisabeth Moss), a nova funcionária da Sterling & Cooper e secretária de Draper, que consegue dar à série obstinação, um espírito de sacrifício tremendo, muito motivado pelo seu sonho de se tornar a primeira redactora publicitária mulher da América. Uma das questões mais fortes e atractivas é perceber até onde vai chegar Peggy com a sua determinação, e a amizade que consegue desenvolver com Don, que sempre a apoiou, e a qual o apelida como o seu mestre.
Esta série ensina-nos muito, sobretudo a valorizar aquilo que temos hoje, mas sem nunca deixarmos de olhar para trás, aceitando o nosso destino de braços abertos. Além de pôr a descoberto partes da cultura e da sociedade norte-americana nos anos 60, como o tabagismo, o alcoolismo, o sexismo, o feminismo, o adultério, a homofobia, o racismo e o antissemitismo, encontra no vazio elucidativo de um génio intemporal um argumento sui generis, mas que deve ser universal: a superação, a obstinação, o ir mais além incessante e sem reservas, sempre contra tudo e contra todos. Além de ser transversal a todas as dinâmicas do ser humano, consegue sempre manter a imprevisibilidade do início ao fim.
Atractiva, complexa e que deixa muita saudade, “Mad Men” deu-nos tudo para crescer ao longo de sete temporadas de conflitos, vaivéns emocionais, mas sempre com uma palavra de ordem: aceitação.
Boas séries.