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Porque A Arte Somos Nós

É, naturalmente, muito difícil seleccionar cinco trabalhos discográficos de uma década tão produtiva para a música como foi a década de 1970. Sendo que por essa altura se estava a iniciar o trilho da adolescência, existem sempre pontos de referência que nos fazem lembrar mais esta ou aquela banda, por este ou por aquele motivo. Assim sendo, enumero aqui cinco trabalhos que ainda hoje ouço com muito prazer. Não só por gostar, mas porque são, na realidade, obras atuais e muito bem concebidas pelos seus autores. Nota histórica: a revolução de Abril sucedeu-se em 1974 e Portugal era um país extremamente fechado ao exterior. A música que cá entrava era muito controlada até essa data, pelo que só mais para o final da década foi possível passarmos a ter livre acesso ao que se fazia por esse mundo fora. E ainda bem.

1.º “Dire Straits”, Dire Straits (1978)

Trata-se do primeiro álbum editado pela banda liderada pelo mago da guitarra Mark Knopfler, e significa para mim o começo da ligação à minha banda de coração. A pureza da música tocada na simplicidade de uma bateria, um baixo, uma guitarra ritmo e uma guitarra solo domada pelo “génio”, era quanto chegasse para não conseguirmos ficar indiferentes ao que ouvíamos. Numa primeira audição, somos surpreendidos pelos ritmos de Down to the Waterline, que nos mostra a capacidade criativa multifacetada de Mark Knopfler, compositor de todos os temas do álbum. Essa capacidade fica também bem demonstrada em temas como Six Blade Knife ou In the Gallery, sendo este último tema de uma complexidade melódica e rítmica fora do comum, em que Mark explora os sons mais “escondidos” da sua Fender Stratocaster! É evidente que para a eternidade ficará Sultans of Swing, tema que sintetiza de forma perfeita a destreza de Mark com a guitarra nas mãos e o som inconfundível da mesma. Para muitos Dire Straits é Sultans of Swing, no entanto, e como o futuro viria a provar, Dire Straits é muito mais que isso. Apesar de não terem sido uma banda muito produtiva relativamente a trabalhos editados, apenas seis álbuns de estúdio, o que fizeram, fizeram bem. Sobre Mark Knopfler não há muito mais a dizer, o músico que procura a perfeição em tudo o que faz, como é possível comprovar nos seus trabalhos a solo. Uma última ressalva para John Illsley, baixista da banda e único elemento da formação original juntamente com Knopfler, que percorreu todo o percurso da banda até ao seu final.

Dire Straits – Sultans Of Swing

2.º “The Wall”, Pink Floyd (1979)

Nesta época vivíamos ainda a assimilar os sons progressistas e psicadélicos de “The Dark Side of the Moon” e “Wish You Were Here” quando aqueles quatro rapazes (Waters, Gilmour, Mason e Wright) decidiram editar essa obra-prima, em formato opera rock, que deu pelo nome de “The Wall”. Trabalho centrado no ego de Roger Waters (compôs praticamente todo o álbum), traz-nos à luz as frustrações do isolamento e das dificuldades de comunicação na sociedade da época, reflectidos nas relações familiares, dificuldades na escola, consumo de drogas e um casamento falhado, o muro do isolamento. Após uma análise introspectiva, esta magnífica obra termina com a libertação, a queda do muro, a esperança! É muito difícil destacar temas deste trabalho, pois todo ele vale pelo conjunto, pelos actos que se sucedem. No entanto, não posso deixar de destacar os temas que mais me tocam, Mother, Goodbye Blue Sky, Young Lust, Hey You, Nobody Home, Vera, Comfortably Numb, In the Flesh ou Run Like Hell são bons exemplos. Tal como uma ópera, o trabalho deve ser ouvido, sentido e interpretado no seu conjunto. Este foi o último trabalho gravado em estúdio pelos quatro membros da banda original. Apesar de gostar de outros trabalhos dos Pink Floyd, “The Wall” é para mim o supra-sumo criativo desta que é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores bandas rock de sempre.

Pink Floyd – Run Like Hell (Live 1981)

3.º “Highway To Hell”, AC/DC (1979)

Irreverência e rebeldia aos montes e muita, mas mesmo muita, guitarrada pelas mãos do mano Angus, era o que “Highway to Hell” tinha para oferecer. Este era já o sexto trabalho da banda australiana, e último com a voz inconfundível de Bon Scott, mas foi sem sombra de dúvidas o elemento de explosão da banda por cá. O som electrizante e os ritmos fortes dos AC/DC traziam uma nova energia, uma nova alma, à rapaziada que por essa altura estava a descobrir aquilo que durante anos nos tinha sido vedado. É muito difícil destacar temas neste trabalho, pois quase todos eles nos mantêm em alta voltagem. Começa com a música que dá o nome ao álbum e continua com Girls Got Rhythm, Touch Too Much, Beating Around the Bush ou If You Want Blood (You Got It) – este último funcionou como um autêntico hino, vociferado até não haver amanhã! Muito bom. Banda icónica na história do rock que ainda hoje anda por aí a distribuir “malha” por quem quiser reviver sons fortes e muito espectáculo cénico em palco.

AC/DC – If You Want Blood (You Got It)

4.º “Rocket To Russia”, Ramones (1977)

É incrível como ainda hoje se vê pessoas com mais ou menos idade a usar t-shirts ou sweatshirts dos Ramones, com o seu logotipo e o nome dos quatro rapazes que decidiram tomar como alcunha comum “Ramone” (não existiam laços familiares entre eles), Tommy, Johnny, Joey e Dee Dee (na formação inicial). O estilo inconfundível dos Ramones era identificado, para além do punk bem vincado, pelos seus cortes de cabelo estilo “tijela”, os blusões de cabedal preto que se tornaram num ícone da época e a calça de ganga rasgada. Quanto ao som, e como já referi, não podia ser mais punk puro e duro de inspiração nova-iorquina. “Rocket To Russia” era apenas o terceiro de catorze álbuns de estúdio gravados pelos Ramones, e naquela época soou por cá como algo nunca ouvido. Os acordes (poucos) de músicas como Rockaway Beach, I Don’t Care, Sheena is a Punk Rocker, We’re a Happy Family, Teenage Lobotomy ou Ramona ficaram para a história como hinos irreverentes de um trabalho que rompia com o status quo instalado e servia de grito de alerta numa altura em que a Guerra Fria nos mantinha a todos numa certa paralisia mental! A banda passou por várias convulsões na sua formação, no entanto,  graças ao espírito unificador de Joey e ao espírito criativo de Dee Dee, foi possível manterem-se na estrada durante bastante tempo, ainda que apenas Joey e Johnny tenham resistido até ao final da banda em 1996. “Rocket To Russia” ficará para sempre como, possivelmente, o melhor trabalho dos Ramones e um dos melhores álbuns de sempre no seu estilo. “Gabba Gabba Hey…”

Ramones – Sheena Is A Punk Rocker

5.º “Breakfast In America”, Supertramp (1979)

Apesar do espírito criativo de Roger Hodgson e Rick Davies ter atingido um dos seus apogeus no álbum “Crime of the Century”, de 1974, foi inevitável o salto para o estrelato através deste trabalho intitulado “Breakfast In América”, em 1979. Com uma toada mais pop, este trabalho dos Supertramp acaba por atingir os objectivos a que se propunha, projectar o nome da banda no panorama musical em escala alargada e conquistar em definitivo o maior mercado musical do planeta, os Estados Unidos da América. “Breakfast In America” proporciona uma audição “divertida” e ligeira, tal a simplicidade com que foram criados os temas. Desde Logical Song, Goodbye Stranger, Breakfast In America até Take the Long Way Home ou Child of Vision, somos brindados com secções de piano, teclados e saxofone que de forma harmoniosa se desenvolvem ao longo da sua audição. Não é possível analisar este ou outro trabalho dos Supertramp sem realçar o elemento vocal dos mesmos, Hogdson e Davies imprimem um carácter vincado no timbre com que cantam, tornando-se uma imagem de marca da banda. Com mais ou menos sucesso, os Supertramp editaram nove álbuns de estúdio (sendo que Roger Hodgson não participa nos dois últimos), e, “Breakfast In America” é certamente um dos melhores, tendo trazido consigo um novo conceito às sonoridades da época em que foi editado.

Supertramp – Goodbye Stranger

Bons sons.

Jorge Gameiro

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