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Porque A Arte Somos Nós

Os nossos sonhos são o que nos sustentam: são o que nos permitem ir em busca de algo, porventura, superior/acima de nós, coisa que sem esse impulso/predisposição jamais estaríamos aptos a alcançá-lo. É certo que pelo caminho iremos ser alvo de críticas, de muitos julgamentos, até por parte de quem nos é próximo — ou porque a pessoa acredita que é o melhor para nós, ou porque, de facto, não nos quer realmente bem. Mas se há algo que é, decerto, essencial para conseguirmos ser bem-sucedidos na nossa vida é a capacidade para nunca duvidarmos de nós, da nossa capacidade, do nosso potencial, e, para isso, é fulcral não diminuirmos, nem tão-pouco menosprezarmos, a força dos nossos objetivos.

Em “The Fabelmans” (2022), filme escrito e realizado por Steven Spielberg — que conta com Tony Kushner no argumento —, temos o enfoque na vida de uma família judaica de classe média em plena década de 1960, na cidade de Phoniex, no estado do Arizona. Esta obra é amplamente baseada nas vivências pessoais do próprio realizador, sendo por isso, considerada semi-autobiográfica. De facto, esta película demonstra o poder que a família tem durante a nossa vida, na forma como nos influencia e/ou traumatiza, no sentido em que deixa marcas irreversíveis — sejam elas positivas ou negativas — para o resto da nossa existência.

Por outro lado, é certo que perante as dificuldades inevitáveis de estar no mundo, o apoio da família é, sem dúvida, importante, isto porque, nos momentos de maior aperto e desnorte interior, é sempre bom sabermos que, pelo menos à partida, podemos contar com mais alguém além de nós mesmos.

Sammy Fabelman (Gabriel LaBelle), protagonista desta história, aspira a tornar-se um realizador de cinema, paixão que desenvolveu na sua infância, a partir do impacto positivo de explorar e abraçar a sala de cinema. No entanto, já na sua adolescência, acaba por descobrir, por acidente, um polémico segredo dentro da sua família, algo que só através da arte de filmar lhe permitiu ver uma verdade que, a olho nu, simplesmente escaparia e passaria despercebida.

Sammy Fabelman (Gabriel LaBelle)

Outra das mensagens fortíssimas que o filme proporciona diz respeito à ideia da busca/luta pela nossa identidade, uma problemática marcante e inseparável do nosso processo de formação intrapessoal, sobretudo no que à personagem de Sammy diz respeito: na medida em que estamos perante um jovem aspirante a cineasta que se depara com o desafio atroz de tentar encontrar uma voz — a sua — dentro das expectativas (heterogéneas) da sua família. Além disso, outro aspeto de um realce soberbo — tamanha é a familiaridade de Spielberg para com o tema —, tem que ver com a própria exploração/manifestação do poder do cinema per si, enquanto sétima arte.

Fica indelevelmente demonstrado aquilo que o cinema significa para o próprio realizador, na forma como consegue desconstruir o sonho de um rapaz que se está a descobrir e que vê no cinema a oportunidade de viajar e conhecer coisas novas: de, acima de tudo, contar histórias pessoais, emotivas e, assim, expressar todas as suas ideias e sentimentos mais profundos. O cinema é uma ferramenta poderosa, porque nos permite fazer uso da ficção para imortalizar mensagens, visões, paixões, todas elas de forte componente interior, daí que a sétima arte ser o palco onde a ficção conta a mais pura verdade.

E o mais fascinante é que dentro de uma história podemos, através do nosso olhar diferenciado, ver 100 diferentes filmes. Assim, a amplitude do cinema, para Sammy, permite precisamente esse encontro, esse crescimento, essa catarse. Não obstante, “The Fabelmans” permite fazer uma crítica feroz à superficialidade de Hollywood, enquanto indústria cinematográfica distante de qualquer essência mais pura e focada em prioridades meramente comerciais, o que leva ao total menosprezo para com histórias repletas de autenticidade e identidade, em prol de produções que abraçam, simplesmente, a superficialidade da expectativa de lucro. Com este ponto, a obra de Spielberg ganha ainda mais uma camada interventiva, totalmente justificada e contextualizada.

“The Fabelmans” (2022)

Com efeito, é ainda interessante verificar toda a representação do judaísmo americano patente ao longo do filme, enquanto retracto fidedigno e detalhado das práticas, tradições e julgamentos que em 1960 uma família desta essência enfrentava. Sammy chega ao fim da sua jornada com um sentimento de dever cumprido, ciente de que é essencial, muitas vezes, para ter sucesso, não aceitar um meio-termo — ou ir com tudo para a primeira oportunidade que surgir. É preciso, portanto, lutar por marcar a diferença, desenvolver audácia, ambição e coragem a fim de atingir os nossos sonhos. Essa força tem de partir de dentro e não ser o meio para um fim, mas sim um fim em si mesma.

Efetivamente, é clara a abordagem única e distintiva com que Spielberg desenvolve esta longa-metragem, quer no que diz respeito à narrativa em si, mas também do ponto de vista cinematográfico como um todo: ele utiliza técnicas de filmagem específicas, imortalizadas a partir de ângulos de câmara fora da caixa e de uma edição deveras criativa, algo que permite ao espectador ver o mundo (o filme) a partir dos seus olhos. É evidente que toda esta abordagem sui generis resulta do património interior — fruto do seu passado — que levou o cineasta a contar esta história, naquela que é, porventura, a obra mais pessoal e emotiva da sua filmografia.

Assim, “The Fabelmans” afigura-se como uma história, acima de tudo, sobre a força da empatia nas nossas conexões interpessoais: ao longo da narrativa, percebemos que muitos dos conflitos com que Sammy se depara derivam, sobretudo, da falta de compreensão que os outros têm para consigo, não fazendo um esforço para se colocar dentro da sua esfera. E a verdade é que ser incompreendido, por vezes, pode ser precisamente o catalisador para fazermos vincar a nossa personalidade, o que somos e o que pretendemos vir a ser. Porque ter um porto de abrigo é importante, mas mais ainda é nunca desistirmos daquilo que faz de nós únicos, dentro na nossa essência.

Uma carta de amor de Spielberg ao cinema e… Por um cinema feliz.

Tiago Ferreira

Rating: 4 out of 4.

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