Perante a maior dificuldade, a capacidade de nos adaptarmos a uma nova realidade, a um novo mundo fora da nossa esfera comum, fora da nossa zona de conforto, é essencial para termos sucesso na tarefa infinita de sobrevivência, quer física, quer mental. Pelo caminho certamente encontraremos obstáculos, inclusive, pessoas que não nos aceitem por, lá está, sermos diferentes, mas com o tempo, com demonstração de união, espírito coletivo, compromisso e respeito, tudo acabará por fluir coletivamente.
Esta é uma das mensagens-chave do filme “Avatar: The Way of Water” (2022) — “Avatar: O Caminho da Água“, em português —, sequela de “Avatar” (2009), que enfoca, novamente, Jake (Sam Worthington) e, também, a sua família numa viagem de superação, união, dor e, acima de tudo, fuga, ao mesmo tempo do passado e presente. Esta obra é co-escrita e realizada por James Cameron — tal como em “Avatar” (2009) —, que contou, no argumento, com a ajuda de Rick Jaffa e Amanda Silver.
Todo o filme é um autêntico espectáculo visual, repleto de peripécias que adensam o suspense da história, de mensagens subliminares, de uma construção narrativa simplesmente irrepreensível e de uma jornada de três horas na qual tudo acaba por encaixar e fazer sentido. Estamos perante um projeto altamente ambicioso, que levou o tempo necessário para ser construído com cabeça, tronco e membros, sem se deixar levar pela euforia — justificada — da primeira obra. Opta-se frequentemente por longas cenas sem diálogo, onde dá perfeitamente para abraçar a atmosfera da história e retirar significados implícitos, que complementam brilhantemente toda a trama da narrativa.

Desta forma, e mesmo com cenas de ação simplesmente inesquecíveis, o cinema calmo e contemplativo também tem um lugar de grande destaque em “Avatar: The Way of Water”. Esta estrutura da história permite que o espectador se consiga conectar com as diferentes personagens de uma maneira muito própria e autêntica, sem o filme escolher objetivamente um lado nesta luta, o que é refrescante.
Nesta fase, Jake vê-se obrigado a lidar, novamente, com as ameaças de Quaritch (Stephen Lang) que conseguiu, literalmente, uma nova vida, ao ver todas as suas memórias serem transportadas para um novo corpo, desta feita otimizado em forma de Avatar. Deste modo, Quaritch tem a missão de ajustar contas com Jake e, para isso, certamente não olhará a meios para conseguir imortalizar a sua vingança. Com efeito, toda a nova família de Jake corre perigo e o grande desafio será o de tentar mantê-los a salvo.
É muito interessante o jogo que o filme faz neste período, porque sabe o ritmo certo com que deve passar da contextualização à acção propriamente dita. Pelo meio, ligamo-nos ao momento feliz que Jake e a sua família atravessam, mas sempre cientes que uma ameaça a qualquer momento pode chegar — e chega. Os seus dois filhos, Neteyam (Jamie Flatters) e Lo’ak (Britain Dalton), têm imensa admiração pelo pai e caminham a fim de lhe seguir as pisadas.

Toda a atmosfera da história é muito envolvente, com uma marca muito própria e distintiva, pura e reconfortante. As atuações são, todas elas, bastante autênticas e profundas na sua dimensão humana, não deixando de ser excelente todo o trabalho que o filme faz para dividir o tempo (devidamente equitativo em matéria da importância global) em que cada uma dá de si mesma à própria narrativa.
Decerto, há mensagens em “Avatar: The Way of Water” que saltam à vista com bastante facilidade, além da mais forte e óbvia necessidade de união em momentos de maior dificuldade, que tem que ver com uma personagem em particular, nomeadamente, Kiri (Sigourney Weaver), filha adotiva de Jake e Neytiri (Zoe Saldana), que se demonstra como sendo muito diferente de todos os outros elementos com quem partilha o seu mundo e que, por isso, é alvo de gozo e insultos. Aqui, o filme posiciona-se devidamente, dando, porventura, a sua maior cartada/lição humana ao mostrar que todos merecem ser respeitados, não obstante as suas diferenças.
Perante a ameaça de Quaritch, Jake e a sua família vêem-se obrigados a migrar para um novo território. Ao contrário daquele que é o seu habitat, um território terrestre, a nova casa que encontram têm uma essência marítima. Como tal, precisam de aprender as capacidades daquele novo povo, os costumes, as tradições e, obviamente, respeitar as diferenças de forma a se conseguirem integrar.

Todo o processo não é fácil, mas rapidamente percebem que o mar tem muitas mensagens metafóricas a oferecer: naquela que é, talvez, a frase mais forte de toda a obra, descreve-se o mar como não tendo início nem fim, que conecta todas as coisas, a vida e a morte, a luz e a escuridão, e que tudo aquilo que o mar tira o mar dá. Além disso, a forma como nesta nova comunidade se respeitam os animais marinhos, como se estes fossem parte dessa mesma família, é extraordinário e adensa, sem dúvida, todo o lado humano inerente à história de “Avatar: The Way of Water”.
Assim, é difícil encontrar falhas num filme tão completo, que se recusou a viver à sombra do sucesso da sua obra precedente, acrescentando mais camadas, mais magia e, no fundo, a própria necessidade de contar esta história, tal como ela é. Não faltam exemplos de sequelas feitas tendo em vista o lucro e aproveitando, acima de tudo, a popularidade da obra que lhe deu origem.
Em “Avatar: The Way of Water” temos a celebração do cinema em estado puro, onde se consegue contar uma história deslumbrante de uma forma pura, dinâmica, autêntica e com a missão de acrescentar algo ao espectador. Se esse não é o maior propósito da arte em geral — e da sétima arte em particular — então, sinceramente, desconheço outro mais reconfortante. Da mesma forma reconfortante como chegamos ao final do filme e podemos dizer que o vimos com toda a sua beleza, com todas as suas camadas e mensagens que se tornam inesquecíveis perante todo o espetáculo humano-visual que imortaliza.
Por um cinema feliz.
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