OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Os homens trabalham que se fartam e as mulheres são fadas do lar na segunda longa-metragem da atriz e cineasta Olivia Wilde. Fresca do sucesso de “Booksmart: Inteligentes e Rebeldes” (2019), a norte-americana abandona os enredos de amadurecimento para compor um thriller psicológico sobre devaneios e dinâmicas de poder entre géneros. Construções sociais à antiga que titilam numa história vibrante em décor e oca em tensões. Condições que fazem de “Don’t Worry Darling” – em português “Não Te Preocupes, Querida” – um objeto cinematográfico principalmente apelativo ao olhar.

O argumento foi escrito por Katie Silberman, também responsável pela produção, e começa por introduzir-nos à rotina ordenada das famílias de Vitória, um deserto fictício com aspeto de oásis. O requinte da direção de arte evoca os subúrbios norte-americanos do final dos anos 50, princípio dos anos 60. Uma utopia de cores pastel, bom-gosto e decoro, que se prolonga até ao arranjo do guarda-roupa, composto por fatos e vestidos feitos à medida.

Florence Pugh (Alice) e Harry Styles (Jack)

É neste cenário a laMulheres Perfeitas” (2004) que habitam Alice (Florence Pugh) e Jack (Harry Styles). Dois jovens enamorados que vivem contentamente num sistema patriarcal. Ela passa o dia entre afazeres domésticos e distrações com as amigas, enquanto ele vai trabalhar num ofício de alta patente cujos detalhes são, literalmente, segredo de Estado. Enfim, são um casal modelo da comunidade. Até que, num dia soalheiro, Alice assiste ao suicídio de uma amiga que estava nitidamente angustiada. Quando os homens à sua volta – incluindo o seu marido – começam a desmenti-la, alegando que foi um acidente, ela torna-se numa mulher à beira de um ataque de nervos.

No entanto, esta não é, por certo, uma comédia dramática de Pedro Almodóvar. Para além de não ter tonalidades intensas, é também demasiado bem-comportada para se equiparar. Depois de estabelecer o mistério central, as cenas de “Don’t Worry Darling” avançam com relativa inconsequência e vagarosidade. É incapaz de construir camadas de intriga. O que cria um clima sobretudo tépido, no qual se afunda parte do interesse em descobrir o que se passa.

Tudo vai bem no pequeno cosmos de Frank, o cabecilha desta realidade alternativa, interpretado com sagacidade por Chris Pine. Da mesma forma, Florence Pugh é aguerrida na sua encarnação de Alice. Apesar da insuficiente caracterização psicológica das personagens, a atriz transmite um sentimento de urgência ao argumento que não é, de outro modo, muito patente. Pode até dizer-se que é ela que mantém a visualização minimamente cativante, ao mostrar uma desenvoltura que já é seu apanágio. Por outro lado, Harry Styles é prestável na sua função de menino d’ouro que tem de elevar a voz aqui ou acolá. Nada que aqueça nem arrefeça.

Florence Pugh (Alice)

Uma descrição que acaba também por se adequar ao filme, pois, na verdade, a maneira como trabalha o subtexto idiossincrático carece de criatividade. A noção de que a frustração pode levar-nos a construir um refúgio imaginário, na era em que o metaverso é cada vez mais um tema atual, é de facto motivo de ponderação. Porém, “Don’t Worry Darling” apresenta o seu caso ainda em rascunho. Sem a personalidade que o poderia distinguir da mera aplicação do cinema pastiche.

Com isto, não quero dizer que tenha perdido a consideração por Olivia Wilde na cadeira de realização. Vale a pena continuar a acompanhar o desenvolvimento do seu trabalho, principalmente no que diz respeito à composição imagética. Componente que, neste caso, vive muito da sua parceria com o experiente diretor de fotografia Matthew Libatique. É um trabalho meticuloso que insiste em lisonjear a dedicação incansável de Florence Pugh, mesmo quando o filme não se aventura para lá do cálculo comedido.

Bernardo Freire

Rating: 2 out of 4.

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