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Porque A Arte Somos Nós

Embora tenha declarado o meu desânimo para com as próximas eleições e prometendo passar ao largo deste lamaçal todo, um facto chamou-me a atenção e gostaria de compartilhar com os pacientes leitores que se dispuserem a ler e refletir sobre esta minha coluna. De antemão, espero não ferir suscetibilidades e esclareço que as minhas ideias não pretendem ser as únicas e verdadeiras mas sim que suscitem o bom debate, educado, gentil e tolerante para com os pensamentos divergentes. Tentarei encontrar palavras mais amenas para que não soe como ofensa gratuita e nem quero desmerecer as vossas opções.

Iniciando, num cenário atual de “Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada / Lula e Bolsonaro tiram de sarro de você que não faz nada”, obviamente que troquei os personagens da sábia letra de Humberto Gessinger, Toda Forma de Poder, mas coincidiu de assistir a uma entrevista do candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, no programa da TV Cultura “Roda Viva” no último 15 de agosto e pensei: “Vou assistir por dois minutos.”

Passaram-se dez minutos e eu estava lá. Meia hora e estava lá. Assisti a íntegra e passei a fazer algumas considerações, que espero contribuir para o debate. Não sou cabo eleitoral do Ciro e por vezes o vejo como um “coronelzão do Nordeste”. Mas o sujeito tem lá o seu valor.

O que admirei na sua entrevista é o sujeito sério, compenetrado e profundamente inteligente. Não se adequaria aos versos citados acima. O candidato não promete a picanha e o churrasco, tampouco promessas populistas de quinta categoria que nos fazem entender que estamos todos numa republiqueta das bananas da década de 1970, latina. Contrastando com o vocabulário elaborado de Ciro, observamos em Bolsonaro e Lula a argumentação tosca, o raciocínio rasteiro, as conversas de botequim, o messianismo incutido nas suas presenças e o resto todo mundo já sabe. Não quero ofender bolsonaristas e lulistas, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Ciro Gomes apresentou propostas e mostrou tecnicamente de onde irá tirar o dinheiro para efetivar as reformas. Tudo preto no branco, ancorado na sua vasta experiência como prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, deputado federal e Ministro. Se irá conseguir ou não, são outros quinhentos. Basta entender que no sistema presidencialista tudo deve ser costurado com o Congresso Nacional.

Confesso que o meu desânimo acerca do pleito de outubro se deu pela completa falta de opções dos candidatos. A tão falada polarização (mentira, o Brasil não está tão polarizado assim) apresentou-nos a opção nefasta de se votar no diabo ou no demónio. Interessante Ciro ter citado o relativismo moral e ético dos artistas e intelectuais brasileiros, sendo que a maioria fechou com Lula a despeito de toda a rapina feita na PETROBRAS e dos reiterados escândalos de corrupção, que fez com que a “República de Curitiba”, liderada pelo ex-juiz Sergio Moro, fizesse de um sonho a realidade, quando chegamos a acreditar que as cadeias não mais comportariam apenas os ladrões de galinhas, mas também os crimes do colarinho branco.

O ex-presidente Lula da Silva e o atual presidente, Jair Bolsonaro, são os principais candidatos das eleições presidenciais de 2022

Mas aí veio o Excelentíssimo Ministro do STF, Edson Fachin, e simplesmente rasgou as provas de toda a Operação Lava Jato, num escândalo silencioso e vergonhoso. Sobre a impunidade no país, é célebre o trecho da canção de Arnaldo Brandão e Cazuza: “Eu vejo o futuro repetir o passado / eu vejo um museu de grandes novidades.” Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Voltando à entrevista no “Roda Viva” refleti sobre a equação que fecha brilhantemente. Estivesse Ciro Gomes concorrendo a um cargo de Primeiro Ministro na Europa, provavelmente venceria. Aludo a isso pelo sistema de educação que funciona, pela intolerância ao mau uso do dinheiro público e se lembrarmos Boris Johnson no Reino Unido, o seu ocaso se deu, sendo que aqui no Brasil este escândalo nem seria considerado tal. Como a educação no Brasil é péssima, com raras exceções, continuamos a tolerar os malfeitos, o jargão inescrupuloso do “rouba, mas faz” e esperamos ainda a vinda de um D. Sebastião, um indivíduo cheio de poderes que com a sua varinha de condão irá sanar todas as nossas mazelas.

Se fechamos os olhos à corrupção, exclamando solenemente: “Todo político é ladrão mesmo”, estamos a contribuir para a manutenção deste país caranguejo, que insiste em andar para trás. Soma-se a isso o desapreço de muitos para ouvir propostas sérias. Algumas delas, técnicas, encontrariam melhores ouvidos em quem consegue somar 2 mais 2, agora, se ficarmos apenas nos slogans e nos chavões, isso contribuirá para a pobreza do debate (se é que existe) e ficaremos neste “Fla-Flu” sem fim.

Intenções de voto do povo brasileiro a 26/09/2022, segundo diferentes meios de recolha de dados e metodologias / Fonte: Poder360 (ligação)

Uma educação política básica ensinaria que sozinho, o Presidente da República não pode fazer nada. Aqueles que fazem as leis, os que votam as emendas e que ditam os rumos da Constituição, os congressistas deveriam ser devidamente sabatinados pelo povo, buscando deles propostas claras e objetivas, com roupagem técnica, para aliviar um pouco as dores do povo brasileiro.

Mas o povo bovino, na sua grande maioria, vota no candidato a deputado que é bacana, que levou a bola e o jogo de camisas para a equipa de várzea, vota no ‘cara legal’ que ajudará o seu município, e muitos se esquecem solenemente em quem votou nas últimas eleições. Irresponsabilidade medonha. Depois reclamam da falta de políticas públicas e observam com estupor que uma vez eleitos, nas tribunas o congressista não fala mais a língua do povão, refugiando-se em termos técnicos que tem como propósito mais confundir que explicar.

Como filósofo, remeto a Platão (428 a.C.-347 a.C.) que escreveu a sua “República“, um dos mais belos textos da História da Humanidade e que aludia ao Rei Filósofo. Na teoria a coisa se deu bem, mas na prática foi posto para correr quando o tirano se insurgiu com tanto senso de cidadania e razão. Ciro continuará pregando no deserto, pois o povo brasileiro prefere iludir-se com as bolsas disso e daquilo e com a picanha e a cerveja. Como bem expresso pelo imperador romano Commodus: “Ao povo, pão e circo“.

Marcelo Pereira Rodrigues

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2 thoughts on “Ainda não temos espaço para o Rei Filósofo

  1. Ótimo reflexão, Marcelo! Não conhecia esta terceira alternativa, aparentemente mais viável: Ciro Gomes.
    Pela descrição do Marcelo, seria o candidato ideal. Porém, dado o panorama sociocultural do Brasil, atrevo-me a dizer que o voto em Lula (para remover o parasitismo sombrio de Bolsonaro), pode ser o ideal – para já!

    Faço votos para que a mentalidade “Ao povo, pão e circo“ vá sendo reduzida com uma saudável injeção de cultura. Obra a obra.

    1. marcelopereirarodrigues diz:

      Bernardo, obrigado pela leitura atenta. O problema é que a opção que o brasileiro tem é votar no 1- Diabo ou 2- Demônio. Se vale o provérbio de que cada povo tem o governo que merece, isso basta. Um abraço e boas coisas!

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