“The Staircase” (2022) é uma minissérie original da HBO Max e conta a história de Michael Peterson (Colin Firth), um famoso escritor de suspense criminal, que é acusado de assassinar brutalmente a própria esposa, Kathleen Peterson (Toni Collette), após esta ser encontrada no fundo das escadas. Esta produção é baseada em factos verídicos e tem Antonio Campos como criador, sendo este também responsável pelo argumento – juntamente com Maggie Cohn -, assim como pela sua realização, na companhia de Leigh Janiak.
A narrativa explora aquela que foi uma batalha judicial sustentada em provas inconclusivas, falsos testemunhos e um julgamento viciado, apoiando-se fortemente na irreverência de Colin Firth. O ator, encarnando uma personagem com uma individualidade, por vezes, impossível de decifrar, assume, também, um tremendo jogo de cintura emocional e obriga o espectador a sair da sua zona de conforto, a fim de conseguir abraçar a riqueza e o mistério que “The Staircase” constrói.
Além disso, “The Staircase” consegue diferenciar-se das demais no sentido em que contraria a tendência de, a este nível, apenas existir uma verdade absoluta espelhada no ecrã, possibilitando que o espectador explore aquilo que está para além do óbvio para que assim construa a sua própria versão dos factos.

Decerto, Antonio Campos consegue captar muito bem todas as incidências que vão sendo criadas ao longo da narrativa, que, através de uma pujança dramática bastante estimulante e de uma sensação contínua de puro realismo – ao tentar captar a emoção mais crua das suas personagens –, consegue fazer imergir o espectador numa história realmente atrativa e, também ela, bastante intelectual.
Por outro lado, o facto dos atores estarem a interpretar pessoas reais acaba por não criar grande margem de manobra, a fim de não desvirtuar a essências destas personagens, algo que amplifica ainda mais todo o desafio cinematográfico que “The Staircase” imortaliza em si mesmo. Colin Firth, curiosamente, e neste sentido, afirmou que a preparação para encarnar Michael Peterson foi bastante estimulante, sobretudo pela tremenda ambiguidade do carácter da sua personagem.
A dado momento, um premiado realizador francês, Jean-Xavier (Vincent Vermignon), propõe a Michael Peterson e ao seu advogado, David Rudolf (Michael Stuhlbarg), fazer um documentário sobre o caso, de forma a mostrar o seu lado da história e, de certa forma, a fortalecer a sua defesa. Posteriormente, a narrativa acaba por contar com inúmeros flashbacks (não seguem uma ordem cronológica propriamente uniforme) que acompanham, sobretudo, Kathleen no seu dia-a-dia, de forma a levar o espectador a criar as suas próprias teorias acerca da sua morte.
Vemos, inclusive, a morte de Kathleen mais do que uma vez, sob diversos ângulos e perspetivas, algo que se torna bastante estimulante, uma vez que sentimos constantemente a história um passo à nossa frente.

Com efeito, percebemos que Antonio Campos é exímio na arte de fabricar uma atmosfera cinematográfica positiva e, de certo modo, inofensiva, mas que a todo o momento pode simplesmente descambar, muito por culpa dessa tal linguagem corporal tão bem imortalizada na personagem de Michael. Contudo, importa dizê-lo, o ritmo da narrativa, após o julgamento de Michael, acaba por cair um pouco e, nesse ponto, a série passa a sustentar-se mais nas atuações do que propriamente no seu desenvolvimento narrativo. No entanto, nada que fira o brilhantismo e ousadia desta produção, que com oito episódios consegue trazer uma perspetiva objetivamente fresca sobre aquele que foi apelidado de o “julgamento do século” da Carolina do Norte.
Assim, ao fim de vinte e um anos (dezasseis de batalha legal), e sob uma lente de meia-ficção, “The Staircase” afirma-se como um autêntico quebra-cabeças e uma experiência cinematográfica, toda ela, bastante rica em especulação e intriga. Enquanto cose lentamente uma verdade aos tropeções, o espectador é levado por uma escada não-uniforme de incertezas sem fim.
Pela beleza da sétima arte.
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