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A película “Mr. Jones”, em português “Mr. Jones – A Verdade da Mentira“, da realizadora polaca Agnieszka Holland, com o argumento escrito por Andrea Chalupa, tem 1h59 e conta com os atores James Norton (interpretando o jornalista Gareth Jones), Vanessa Kirby (como Ada Brooks), Peter Sarsgaard (como o jornalista vencedor do Pulitzer Walter Duranty), Joseph Mawle (como George Orwell), Kenneth Cranham (como o ex-premiê britânico David Lloyd), entre outros. As nacionalidades presentes na obra são polaca, britânica e ucraniana.

Baseado em factos reais, o filme centra-se na vida de Gareth Jones, um jornalista galês que é obstinado a ponto de ser inconveniente, chato mesmo, que esteve num avião com Adolf Hitler, entrevistando-o, e que sonha agora em entrevistar o líder máximo soviético, Josef Stalin. A agência para a qual trabalha em Londres não quer apostar nesta empreitada, chegando a dispensá-lo do seu ofício, mas o resiliente não dá o caso por encerrado.

Em posse apenas de uma carta de apresentação arruma os documentos para ir a Moscovo, vencendo a burocracia e, quando enfim está na capital russa, começa a perceber que as coisas não são exatamente aquilo que a propaganda fazia ver, apoiada inclusive por um grande jornal dos Estados Unidos, o The New York Times, com filial na cidade.

James Norton (Gareth Jones)

O seu diretor, Duranty, um conceituado jornalista que venceu o Prémio Pulitzer, vive das benesses das autoridades soviéticas e não se quer indispor com quem quer que seja. Há muito acomodou a sua pena e vendeu-a a quem pagou mais. O intrépido Mr. Jones é idealista e sente-se pouco confortável com a festa orgiástica promovida pelo cínico diretor, ficando o espectador a ver a corrupção com todos os seus níveis.

Instalado nos dois primeiros dias no Metropol, um cinco estrelas em Moscovo, Jones tem que arranjar uma pensão mais em conta nos dias seguintes e tenta viajar, sem permissão, para a Ucrânia. Junto a uma jovem jornalista que ainda não teve tempo para se corromper, investigam um misterioso assassinato de um jornalista que estava a incomodar o sistema. Num comboio onde percebe estar a ser vigiado, dá um drible e embarca num outro vagão. Agora sim, a realidade já se desnuda, com a observação da fome e da miséria.

Chega a um entreposto e ajuda a carregar alguns sacos de cereais, da província para a capital, e começa a questionar os moradores, disfarçadamente. Contudo, logo é apontado e como espião tem que correr pela floresta congelada, saindo do nada e chegando a lugar nenhum. Se um jornalista deve viver as suas experiências empíricas na pele, Mr. Jones extrapolou um pouco. Observa que as pessoas tombam pelo caminho, mortas de fome e frio, algumas comem brotos de árvores, e segurem o estômago ao observarem o repasto a que é submetido juntamente com algumas crianças. A miséria mostra-se em toda a sua aspereza.

Vanessa Kirby (Ada Brooks)

É capturado e após algumas sessões de “convencimento”, é sugerido que volte ao seu país e que escreva sobre as maravilhas do regime comunista socialista de Estaline. Cinco engenheiros ficarão detidos na condicional e, caso a pena do jornalista seja contrária ao “país que tão bem o acolheu”, serão condenados e mortos. Simples assim. Com este dilema ético e perturbado pela consciência entre o que fazer ou deixar de fazer, retorna e só encontra emprego numa editoria de cultura na sua pequena cidade.

Jones continua a escavar mais a possibilidade de denunciar o regime e é ali que é apresentado a um outro jornalista, nada mais nada menos que George Orwell, aliás, o filme inicia-se e termina com os bastidores da criação de uma das obras mais incríveis da literatura, aquela mesma sobre a fazenda dos bichos e que sentencia a irónica conceção de que todos são iguais, mas que uns são mais iguais que os outros. Reconheceram? Devo salientar que este encontro entre George Orwell e Mr. Jones não se deu na vida real.

Claro que na sua província e com o seu pequeno jornal que não dispõe de muitos advogados, a covardia é inerente e Mr. Jones, que já embrulha o estômago só de ver a carne a ser servida (atentem-se para a subtileza do trauma exposto) sabe que a sua reportagem não alcançará repercussão. Ele fora convencido a relatar a verdade ao mundo, que às vezes cinco indivíduos podem ser sacrificados se isso proporcionar um benefício maior. Invade a casa de campo de um editor e autorizado a vender a sua ideia em apenas 30 segundos, consegue o feito. É publicado e a matéria tem repercussão, mesmo que Duranty o desanque em artigos que o acusam de ser mentiroso.

Peter Sarsgaard (Walter Duranty)

Aos poucos, o Ocidente passou a conhecer a carnificina perpetrada nos gulags (se o maléfico Hitler vitimou 6 milhões de judeus, Estaline chacinou mais de três vezes o seu próprio povo) e para o regime assassinar o jornalista, durante uma cobertura no Sudeste asiático, não foi nada demais. Ele tinha 30 anos quando foi morto. Vida curta, mérito ousado e duradouro, sendo o primeiro a apontar para a nudez do rei e sendo um Dom Quixote para esta profissão tão combalida que é a de jornalista, onde muitos apenas trabalham para o poder e fazem vista grossa às reais necessidades da parte mais pobre da população.

O filme histórico e biográfico tem o mérito de inspirar um ficcionista a explanar uma paródia de forma a denunciar o estado totalitário, suportado pelos ingleses e norte-americanos apenas por uma questão estratégica, que seria (e foi) a de combater o fascismo nazi que se espalhava como um cancro pela Europa.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3.5 out of 4.

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