Agatha Christie (1890-1976) é uma destas escritoras icónicas e importantes da história da literatura. Uma leitura indicada a jovens e adolescentes, não me lembro de ter pego um livro dela para ler quando miúdo. Talvez um, mas nem me recordo do título. Com personagens incríveis e que parecem ganhar vida saindo das páginas, sendo o detetive Poirot o principal, é difícil às vezes separar a realidade da ficção.
Vasculhando a minha estante dos livros não lidos, defrontei-me com “Por que não pediram a Evans” (Editora Record, 237 páginas), livro este publicado pela autora em 1935. Logo de caras senti que a leitura seria fluida e rápida, tanto é que levei apenas cinco dias para conclui-la. Narrativa um tanto adolescente, como no narrado pelo ponto de vista de um dos personagens, Bobby, reclamando do seu pai, cito:
“Ninguém que tenha mais de cinquenta anos possui bom senso! Vivem preocupando-se com bobagens, com coisas sem a menor importância. Deve ter sido a maneira como foram educados, coitados, não conseguem agir de outra forma. Coitado do velho, tem menos bom senso do que uma galinha!“
Bobby, aliás, está a jogar golfe e a ter uma atuação sofrível. Uma das suas tacadas o leva a um banco de areia e quando ele e um senhor ouvem um grito por perto, deparam-se logo a seguir com um acidentado que caíra de uma grande altura, provavelmente devido ao nevoeiro. Ele presta-lhe socorro e ouve afinal a pergunta que intitula o livro. Morre logo a seguir e desconfia-se que na verdade aquele sujeito fora assassinado e pergunta-se o motivo de estar aquele forasteiro numa praia deserta de Gales.

Para além do inquérito policial, logo concluído como acidente, os jovens Bobby e Frankie, uma rapariga ricaça e entediada com o facto de não ter muitas distrações naquele sítio, bancam os detetives e empreendem buscas encontrando pistas que os levam a Londres, e à medida que os curtos capítulos se vão passando, a sensação é de que de uma hora para outra os suspeitos aparecerão.
No meio da narrativa popular, trechos clássicos inserem-se como nesta passagem onde há alusão a William Shakespeare, cito:
“— Sabe, sempre pensei – continuou Frankie numa súbita e inesperada digressão – que Lady Macbeth incitou o marido a cometer todos aqueles assassinatos simplesmente porque estava terrivelmente enfarada da sua vida, inclusive do próprio Macbeth. Estou convencida de que ele era um desses homens dóceis e inofensivos que entediam as suas mulheres até à loucura. Só que depois de cometer o primeiro assassinato da sua vida, ele sentiu-se um camarada importantíssimo e tornou-se um ególatra para compensar o seu antigo complexo de inferioridade.“
Interessante, não? Uma verdadeira chave que convida à leitura da peça do Bardo. Senti que a história me ia sempre acompanhando e percebi-me um detetive dividido entre a culpa do médico psiquiatra Doutor Nicholson e o elegante Roger Bassington-ffrench, elencando como rapariga frágil e sofrida a bela e angustiada Moira.
Num dos trechos da novela, uma bola fora num erro sequencial imperdoável para uma autora da sua verve. Após a simulação de um acidente automobilístico e após a prescrição de repouso após o diagnóstico do falso médico, tudo isso para se infiltrar na mansão da família suspeita, no descanso da concussão em dois dias, Frankie estava a disputar partidas de ténis. Três partidas. Como assim, Agatha?
Mas é perdoável e divertido, e citei este senão apenas como implicância. Um flirt vai se formando naturalmente entre os dois jovens detetives, mesmo que ambos fiquem encantados por Moira e Roger, e o novelo vai crescendo sendo que no final fiquei tão entretido com o desfecho que já buscava o culpado, com todos os dois mais dois que levam a quatro.

Um conselho bastante prático é citado pela autora que diz mais ou menos o seguinte: num processo judicial, a melhor demanda é o acordo. Cito literalmente:
“Não aconselho ninguém a ir aos tribunais a não ser que existam muitas possibilidades de ganho de causa. A lei é muito incerta, Lady Frances, tem reviravoltas que surpreendem o leigo. O meu lema sempre foi o de resolver os problemas fora dos tribunais.“
Sábio conselho, que sempre procuro exercer.
Um detalhe que me chamou a atenção foi o estereótipo de uma jovem nariguda. Óbvio que existem jovens narigudas, mas as que são de facto hoje em dia poderão sentir-se constrangidas frente a tais linhas. Correndo enfim para descobrir o mistério, confesso que caí do cavalo com a revelação de que por vezes a fragilidade pode esconder muitos segredos, e incrivelmente desconfio que este enredo marcará a minha memória como chicletes.
No todo, o livro é prazeroso, restando apenas ressalvas para a edição descuidada da editora Record, com muitos erros ortográficos e gramaticais, indesculpável para uma das melhores editoras do Brasil, mas ressaltando que a edição que tenho em mãos é bastante velhinha e com aquele cheirinho característico das páginas amarelecidas.
Dever cumprido, a certeza de que lerei outros livros da autora, merecidamente com o epíteto de “A Rainha do Crime”, como distração de leituras mais densas e como adendo informo que nesta novela o detetive Poirot não se fez presente. Mas os jovens deram conta do recado.
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