OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

O filme polonês “Hejter: Rede de Ódio“, do realizador Jan Komasa, com os atores Macielj Musiatowski, Vanessa Aleksander, Agata Kulesza, Julia Wieniawa e outros, dura umas agradáveis e reflexivas 2h15min, e versa sobre um estudante de Direito, Tomasz Giemza, expulso da faculdade por plágio e que depende da caridade dos tios distantes que lhe financiam os estudos. Típico alisa-pelos e borra-botas que tem que agradar constantemente, no jantar em que se vai encontrar com os mecenas isso fica claro.

A beleza estonteante e meio depressiva de Gabi e a sua condição de rica impossibilita-lhe o flirt, e tudo o que ele consegue é agradar (a sua condição servil) com um pote de geleia ignorada e que será destinada à serviçal, tão logo ele sai. Ele “esquece” o telemóvel intencionalmente e, dolorosamente, ouve aquilo que as pessoas dizem nas nossas costas, acerca da sua condição financeira precária, sendo que a sua personalidade já um tanto doentia compreende que informações precisas podem nos garantir bons ganhos. Pois, além disso o rapaz é ambicioso, mas logo percebe que daquela família não irá obter mais “farinha”. O mais indicado é pegar a sua viola, coloca-la no saco e ir cantar para outro terreiro.

Agora desempregado, participa numa entrevista de emprego para uma agência de publicidade que significa o mal, pura e simplesmente, um verdadeiro sindicato do crime. As normas empresariais são destruir reputações, comumente observadas atualmente nas campanhas difamatórias e de cancelamentos nas redes sociais, e o arsenal de maldades parece cair no gosto do nosso intrépido protagonista.

Vanessa Aleksander (Gabi Krasucka) e Maciej Musialowski (Tomasz Giemza)

A mensagem é clara; nos labirintos das redes sociais, o ódio é o combustível para espionagens que vão desde um candidato a prefeito da cidade a uma influenciadora que perde os seus muitos seguidores da noite para o dia. Ela grava um vídeo a chorar. A agência exulta em comemorações. Nisso Tomasz vai se sobressaindo, sendo que a sua psicopatia não enxerga nenhumas consequências, afinal, alguém deve fazer o serviço sujo.

No enredo, algo muito atual e que se revelou nestes dias numa província do Brasil, no Rio Grande do Sul, quando o governador Eduardo Leite se declarou gay. Surpresa para muitos, a este escriba apenas algo como se ele dissesse ser adepto do Benfica ou do Porto (que diferença faz?), mas na película Pawet Rudnicki (interpretado por Maciej Stuhr) está no comité de campanha vendo de perto as suas medias sociais, chamando a atenção da assessora para a inclusão das hashtags (confesso que sou bastante bobo e inocente na inclusão delas nos meus posts) e nessa minimização tenta esconder quem de facto é.

Lógico que os adversários tentam impingir nele a “falha” de amigo de muçulmanos e a ala mais radical dos nacionalistas irá aproveitar isso, mas quando ele é flagrado numa boate gay, levado por Thomasz que faz um bico de emprego na sua campanha, parece ser o fim. Mas ocorre então uma reviravolta e o candidato gay começa a subir novamente nas pesquisas. Contudo, o ódio inoculado fica suspenso, e uma cena final trágica apontará para a necessidade de um diálogo entre as culturas, isso na vida real.

O filme apresenta-nos mensagens subliminares tais como que as ferramentas são excelentes, variando apenas a sua dose, podendo significar o remédio ou o veneno.

Maciej Musialowski (Tomasz Giemza)

Bem colocado isso, a tão sonhada projeção do psicopata que não se solidariza com a dor do outro (desculpem-me a redundância na qualificação do psicopata), dá conta de problematizar práticas bastante atuais de desconstruções de reputações, num mundo que não se encaixa a ver a extrema ignorância e grosseria expostas nas redes, e isso de forma alguma combina com os perfis bondosos, inteligentes, de gente chata que prega a tolerância, mas que se inocula de veneno a cada momento não conseguindo realizar análises críticas de tantas informações inúteis que recebemos, e bota inúteis nisso!

A expressão fria do protagonista justifica-se pelo seu papel e pela ausência de dor, em nenhum momento percebi ser um canastrão, e mais um desses oportunistas que encontramos de vez em quando, que tentam apanhar boleia e subir para cima dos outros, mesmo não se importando com o facto de pisarem a cabeça deles. Tento tomar o antídoto diário para me livrar desses Tomasz que nos espreitam, na maioria das vezes com sorrisos falsos.

Meninos, acreditem: os alisa-pelos e bajuladores são os piores tipos de pessoas com as quais nos encontramos. De gente assim queremos distância, pelo menos as pessoas de bom senso. E sobra uma lição gratuita que nos indica que mesmo o dinheiro nunca nos poderá comprar classe, educação e elegância e quantas vezes fazemos questão de perder dinheiro significando que não mais seremos importunados por sanguessugas?

Ficaram muitas reflexões e apropriações deste filme tão bem elaborado.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!

IMDB

Rotten Tomatoes

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d