OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

O livro “Armas, Germes e Aço”, com o subtítulo “Os Destinos das Sociedades Humanas” (Editora Record, 2017, 19ª edição, 475 páginas) é um colosso de difícil classificação. Penso que todo intelectual arguto arregimente para si esta indefinição, uma vez que a especificidade poderia delimitar em muito o seu alcance. O intelectual em questão é Jared Diamond, vencedor do Pulitzer em 1998 com este livro. Este é membro da Academia Americana de Artes e Ciências, da Academia Americana Nacional de Ciências e da Sociedade Filosófica Americana.

Recebeu uma bolsa de estudos da Fundação MacArthur e diversos prémios, como o Prémio Burr, da National Geographic Society, a Medalha Nacional de Ciências, o Prémio Tyler de Conquista Ambiental, o Prémio Cosmo do Japão e o Prémio Lewis Thomas, concedido pela Rockefeller University. Publicou mais de 200 artigos nas revistas Discover, Natural History, Nature e Geo.

Do que trata o livro? O autor faz uma investigação profunda sobre as desigualdades dos povos ao longo da História da Humanidade e retroage até épocas imemoriais. Combate o simplismo das explicações superficiais (“Porquê que os europeus dominaram os nativos ameríndios no século XV?“; “Porquê que os países da África são mais atrasados economicamente do que a Eurásia?” e muitas outras questões). Como já aponta no título, o domínio de armas e do aço de algumas civilizações fizeram com que eles tivessem instrumentos muito mais eficazes para combater um outro povo, mesmo que este fosse muito mais numeroso que o invasor.

Na maior parte das vezes, Jared questiona o motivo de não terem sido os ameríndios a subjugarem os europeus (as análises são frias e contundentes). Mais até do que poderio militar, adveio inicialmente o poderio alimentar, ou seja, desde que a civilização passou do estágio de coletores para agricultores, o certo é que o excedente possibilitou o desenvolvimento de outras atribuições dos seus habitantes quais não fossem a de caçarem para não morrerem de fome.

O escritor nascido em Boston, Massachusetts, Jared Diamond

Herança disso até hoje, estou agora aqui a escrever este texto pelo simples facto de não precisar de estar no campo a plantar o que irei comer daqui a 120 dias. A minha profissão de escritor (mais especulativa) contrasta em muito com a do agricultor (literalmente, mais com as mãos na terra).

Vocês poderão perceber que estou a divagar (viajar) um pouco. Foi propositado. É que Diamond divaga bastante ao longo do livro, tudo com consistência. Percebem agora a dificuldade em classificá-lo? De Antropologia à Sociologia, de Ciência à História, até certa filosofia, e vamos caminhando também pelas suas explanações geográficas. E são muitas. Uma constante ao longo da História da Humanidade é o clima, o solo e demais condições geográficas. Percebemos o motivo de determinadas regiões no Globo serem ricas em detrimento de outras.

Fiz uma pausa na leitura para pegar num Globo terrestre e me atentar para o facto inequívoco de que nações mais a Norte tendem ao desenvolvimento. E sempre tenderam. Abaixo da linha do Equador, em raríssimos casos, fica o subdesenvolvimento e um certo atraso. De certa forma, escrevendo aqui do Brasil, suspeito que tenho um pouco de propriedade para escrever, e quase chego a rir da satírica frase de efeito do compositor, músico e escritor Lobão, a de que “o Brasil é o arraial do cu do mundo!“.

Mas voltemos: do lado de cá do Oceano Atlântico, um povo menos estudado e afeito a vitimismos, costuma recriminar os portugueses por nos terem invadido. Lendo o livro de Diamond, compreendi a questão de forma mais ampla. Numerosos, os indígenas poderiam colocar os portugueses a correr, mas não o fizeram simplesmente pelo facto de serem atrasados com as suas armas e defesas.

O germe aventado no título deixei propositadamente para explicar aqui. A Europa, que saíra do período medieval observando a arregimentação nos burgos (cidades) viu o fenómeno da aglomeração e das regiões insalubres trazer as doenças que acarretaram a perda de 1/3 do seu povo (Peste Negra) e no mundo não descoberto da América, os silvícolas não sabiam o que era isso. Resultado? Quando os europeus aqui aportaram, assemelharam-se a 100 jovens acometidos com a Covid que vão visitar um asilo para idosos acarretando o perecimento de todos eles. Foi triste perceber que as doenças para as quais os nativos não tinham nenhuma proteção ceifou a vida de centenas de milhares.

E assim a explicação segue. O livro é entrecortado por gráficos que elucidam condições climáticas, de plantio, de poderio comercial e de armas. Num primeiro momento, somos tentados a delimitarmos a História a coisa de 500 anos, mas o buraco é um pouco mais em baixo. E lendo aprendi isso.

Jared Diamond na companhia de Bill Gates, fundador da Microsoft, com quem discutiu em 2019 os problemas das sociedades contemporâneas (parte da conversa disponível no canal de Youtube de Bill Gates)

Analisando a História como um todo, qual foi o motivo de a China ter abandonado as navegações de exploração num momento em que a Europa se lançava ao mar? Estão aí as epopeias de Marco Polo que não nos deixam mentir. Aqui o autor brilhantemente explica que tudo foram condições estratégicas e que contrastavam a unidade e as suas particularidades e, estudando um pouco mais a fundo, observo que isso perdura até os dias atuais. Senão, vejamos: a China sempre foi a unidade que se manteve hegemónica, mesmo com tantas diferenças provinciais no seu território.

Da hoje pretendida União Europeia, ainda observamos alguns desajustes, como numa Torre de Babel. Nem aventemos ao Reino Unido, que recentemente retornou à sua condição política de ilha, mas mesmo no bloco observamos países desalinhados com as regras do Parlamento Europeu. Retroagindo um pouco, aquando das Navegações, estados europeus disputavam entre si a supremacia do comércio e não foram poucas as vezes em que se confrontaram.

Contudo o autor não é simplista ao tratar destas questões. Elas são bastante amplas e a cada informação a nossa cabeça vai girando como uma ventoinha. E sobra espaço até para a investigação dos países e nações que se formaram com hegemonias de climas e condições, assim como outros que se formaram com diferenças absurdas. O facto de o Brasil ser um país continental evidencia bastante isso, com o Sul/Sudeste a ser a grande locomotiva que puxa os vagões do Norte/Nordeste (por gentileza, não aventem nesta minha explicação nenhum sinal de preconceito).

Um livro rico, investigativo, que nos prende a atenção, mesmo que em alguns momentos o autor abuse nas suas verborragias. Tentando explicá-lo à minha esposa, se havia gostado ou não, dei um parecer que acredito ser o mais ajustado: “O autor é o equivalente a um Yuval Harari, só que ao contrário. O que o israelense escreve com simplificação, Diamond escreve com estilo e profundidade, por vezes esquece-se que nem todos conseguimos acompanhar a linha de raciocínio dele. Mas é um autor que se faz entender.

A minha experiência com bandos ocorreu nas planícies pantanosas da Nova Guiné onde vivem os fayus, uma região conhecida como as Planícies dos Lagos. Lá, ainda encontro famílias ampliadas de poucos adultos com os seus dependentes, crianças e velhos, vivendo em toscos abrigos temporários ao longo dos riachos e viajando de canoa e a pé. Por que os povos das Planícies dos Lagos continuam a viver como bandos nómades, quando a maioria dos outros povos da Nova Guiné, e quase todos os outros povos noutros lugares do mundo, agora vivem assentados em grupos maiores?

A explicação é que faltam na região densas concentrações locais de recursos, que permitiram que muitas pessoas vivessem juntas, e (até à chegada dos missionários trazendo as culturas agrícolas) também faltam plantas nativas que possibilitariam uma agricultura produtiva. A base da alimentação dos bandos é o sagueiro, de cujo caule se extrai uma medula viscosa (o sagu), quando a palmeira fica adulta. Os bandos são nómades, porque têm que se mudar quando já cortaram os sagueiros maduros numa área.

O número de membros dos bandos é baixo por causa das doenças (principalmente a malária), da falta de matérias-primas no pântano (até mesmo a pedra para fabricar ferramentas precisa de ser obtida no comércio interurbano) e pela quantidade limitada de alimento que o pântano oferece aos seres humanos. Limitações semelhantes dos recursos acessíveis à tecnologia humana existente prevalecem em regiões do mundo recentemente ocupadas por outros bandos.

Trecho do livro

Fiz questão de citar este trecho para desnudar um pouco mais a personalidade do autor. Longe de ser um académico de biblioteca apenas, é daqueles que saem para fazer as suas pesquisas de campo e neste livro em questão até cita a sua amizade com os locais de Nova Guiné. Um Indiana Jones da vida real!

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 4 out of 4.

Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: