“Mare of Easttown” (2021) conta a história de Mare Sheehan (Kate Winslet), detetive de uma pequena vila da Pensilvânia, responsável por investigar um homicídio local, enquanto evita a sua vida de desmoronar. O criador e argumentista desta minissérie é Brad Ingelsby e o realizador Craig Zobel. “Mare of Easttown” pode ser vista na plataforma da HBO Portugal.
Mare atravessa uma fase complicada da sua vida, lidando com o suicídio do seu filho, o noivado do seu ex-marido, a luta da custódia pelo seu neto, as pressões da sua mãe e a irreverência da sua filha. Além disso, carrega consigo o peso de não ter conseguido solucionar o rapto de uma rapariga local, caso arquivado por falta de pistas. No entanto, Mare é muito acarinhada pela comunidade, apesar da sua personalidade bastante vincada, distante e fria, muito por culpa dos acontecimentos dramáticos que têm havido na sua vida.
Dentro dessa mágoa irreparável, dá-se o assassinato de uma rapariga da comunidade, algo que põe o dedo na ferida do caso recentemente arquivado e levanta a possibilidade de ambos estarem conectados. Humana e sentimentalmente falando, esta produção consegue atingir patamares muito satisfatórios, sobretudo para quem valoriza histórias que consigam tocar no nosso cerne mais profundo e diferenciador.
Mesmo que a sua essência mais à superfície soe a thriller e suspense, “Mare of Easttown” consegue construir uma história, acima de tudo, filosófica e dramaticamente inquietante, sobretudo através da forma como sustenta, em genuinidade, as suas personagens, e até a partir da própria forma como embeleza as relações que estas estabelecem entre si.

Kate Winslet tem aqui um papel verdadeiramente brilhante, em todos os sentidos: na forma como encarna esta personagem – à superfície, cinzenta; no seu íntimo, uma heroína –, na maneira convincente como vive, sente e sofre dentro da sua esfera altamente desgastante, e portanto, no fundo, esta jornada é uma viagem pela sua interioridade. Mas, à parte disso, esta história vai tendo um célebre contributo de muitos intervenientes, algo que eleva a narrativa a um nível superior, criando acima de tudo uma atmosfera deveras característica e sui generis. Neste sentido, o subtexto vai tendo o seu devido relevo, sobretudo decifrando os vazios e as incógnitas que a nossa protagonista, dentro da sua névoa de sentimentos, vai guardando no seu cerne.
Por outro lado, de um episódio para o outro (no total, sete) há sempre qualquer coisa de inteligente que fica em aberto, convidando o espectador a continuar. Além de que, quanto ao homicídio principal, a série consegue ser bastante completa nas voltas que vai dando: do início ao fim, a história vai sucessivamente apontando para uma determinada personagem como culpado, variando e sendo credível nos motivos e oportunidades para estas cometerem o crime.
Desta forma, o espectador não consegue antecipar a 100% o cenário final, e vai sendo conduzido pelos “malabarismos” narrativos que “Mare of Easttown” consegue imortalizar. Portanto, quer na forma, quer no conteúdo, esta produção apresenta-se bastante madura, entretida, com capacidade para se reinventar e estabelecer um devido e sincero contacto cinematográfico com a sua audiência.

Tocando também no tema das drogas, da violação e da homossexualidade, vai-nos sendo apresentada uma perspetiva muito elucidativa de um meio bastante caótico, que pode muito bem traduzir a vertente humana, no seu todo. E é aí que Mare entra com a sua força, garra, obstinação, em (no fundo) conseguir desvendar o caso perdido que a consome, mas também ela fazer o verdadeiro closure da morte trágica do seu filho.
De um ponto de vista mais crítico, a série pode ser vista como ligeiramente lenta na forma como vai fechando a cortina, adiando um pouco o seu clímax, mas sem nunca pôr em causa a sua estrutura narrativa e o seu carácter inolvidável. Desta feita, “Mare of Easttown” é uma história de libertação e superação, onde fazer as pazes com o passado é o primeiro passo para seguirmos em frente com a nossa vida.
Pela beleza da sétima arte.
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